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THE WALKING DEAD - É possível encontrar sentido no mundo de mortos vivos?

por Ronnedy Pires de Paiva - CRP 08/26257


The Walking Dead é uma daquelas típicas séries americanas que dispensam apresentações, tamanha é a sua fama, seu poder de atração e sua história dramática e comovente. Baseada nos quadrinhos de Robert Kirkman, essa trama que já conta com 10 temporadas, relata a história de um grupo de sobreviventes nos Estados Unidos que, liderado pelo policial Rick Grimes, viajam pelo país - ou pelo que restou dele - a fim de permanecerem vivos e reconstruírem a sociedade em um mundo pós-apocalíptico. Nesse ‘novo mundo’ em que habitam, o grupo mais numeroso é o dos ‘zumbis’, ou ‘mortos vivos’ como alguns chamam, entretanto, ainda existem outras pessoas que, geralmente, se agrupam em comunidades para garantir segurança e sobrevivência.


Nesses encontros é possível se deparar com vário tipos de pessoas e grupos, é possível encontrar o pior ou melhor delas, a crueldade humana ou a sua benevolência. Por fim, o que acabam percebendo é que o perigo mais eminente não são os mortos vivos, mas sim as demais pessoas que sobreviveram a esse apocalipse.


O interessante ao acompanhar toda essa trama é perceber que, com o passar do tempo, diante do sofrimento e da imutabilidade da situação, algumas pessoas que sustentavam certos princípios, como o respeito ao próximo, amor ou o não roubar e matar, por exemplo, acabam por deixarem de lado para permanecerem vivos e seguros, fazendo o que for preciso para essas finalidades. Nesse novo mundo não existe moral subscrita, regras ou ética, são apenas pessoas em uma incessante e intensa luta para sobreviverem e para protegerem o seu grupo.


A pergunta então que fica é: onde está toda civilidade, amor e respeito ao próximo? Em que ponto o ser humano perdeu o seu valor? A resposta não é tão fácil de ser obtida, mas o neuropsiquiatra austríaco e fundador da logoterapia, Viktor Emil Frankl (1905 - 1997), traz uma luz para que compreendamos esse fenômeno que a série apresenta e traz, além disso, uma possibilidade de enfrentamento a essa situação.


Esse autor vem nos falar que os instintos não dizem ao homem o que ele deve fazer em determinadas situações, assim como acontece com os animais, muito menos as tradição e valores tradicionais que outrora deram respostas de como o homem deveria agir, agora já não as dão de uma forma tão satisfatória. Diante dessa falta de modelo, de um molde pré estabelecido a ser seguido, as pessoas acabam fazendo aquilo que os outros fazem, como uma forma de conformismo, tipicamente como frase de mãe: “se todos pularem da ponte você também vai pular?”, nesse caso, sim! Na série, por exemplo, é possível observar como as pessoas começam a repetir o que os outros fazem, ainda mais quando estão em grupo, seja matar, roubar ou mentir, acabam conformados e agem como todos os outros. Também é possível perceber outro comportamento diante dessa falta de modelos ou instintos que balizariam a vida, esse comportamento é do totalitarismo, ou seja, as pessoas fazem apenas o que os outros mandam. Assim, a pessoa já não age mais por ela mesma, mas sim pela influência e ordem de outro ou outros. Na série, por exemplo, existe uma comunidade que é governada por Negan, um ditador que usava seu poder bélico e humano para garantir o sustento dos seus e o seu próprio bem estar. Sob o seu comando, pessoas matam e roubam, basta que ele mande e todos obedece, seja por medo ou por adotarem suas ideologias de governo.


Ambas características (conformismo e totalitarismo) são geradas pela frustração existencial, ou dizendo de outra forma, pela falta de sentido na vida e de um sentimento de vazio interior. Diante dessa situação, ser acometido por essa frustração é uma possibilidade muito mais presente, por isso o agir no mundo dessas pessoas são afetadas, por não saberem se amanhã estarão vivas ou por perceberem que o futuro é imutável, sendo assim, todo esforço é inútil e o que vale é o agora. Essa indiferença e falta de iniciativa acabam se tornando impeditivos para um agir autêntico do ser humano, onde no seu agir ele poderia transformar o mundo.


Mas, será possível encontrar sentido em um mundo repleto de zumbis e por pessoas dominadas por uma frustração que as impedem de agir em detrimento de um novo mundo, ou um mundo melhor? Viktor Frankl diz que, em última instância, é possível encontrar sentido ainda que diante do sofrimento pois, se é que a vida tem um sentido, também o sofrimento terá. Assim, cabe a pessoa tirar algum proveito desse sofrimento. Além disso, o autor fala sobre o amor como uma possibilidade de sentido que pode ser experimentado para lutar diante de toda essa realidade.


Se você perceber, é possível encontrar em vários momentos dessa série o amor como possibilidade de ação, onde o sentido encontrado ajuda a mudar uma realidade que, anteriormente, parecia intransponível. Como quando algumas pessoas decidiram não matar mais, ou quando Rick muda seu modo de agir por conta de seu filho, que já não sentia mais empatia pelos demais, ou quando resolvem perdoar alguém que mudou para melhor, mas antes havia causado muita dor.


O que Viktor Frankl nos mostra é que, ainda que valores e princípios não sejam mais válidos em um mundo apocalíptico, onde a morte e o roubo se tornam comuns, onde o futuro é transformado em algo imutável ou irreal, é possível dizer ‘sim a vida’, é possível agir em conformidade com a sua própria consciência, sempre atento aos sentidos que se apresentam a cada instante vivido. É um chamado para descobrirmos o sentido de cada momento, evocando a consciência para transformar o que for necessário, através de um sentido de vida e do amor.


Essa série tem muitos outros retratos, mas creio que através dessa reflexão, trazendo os pensamentos de Viktor Frankl, podemos transferir do mundo fictício de The Walking Dead para o mundo real, onde também vemos reflexos desse vazio existencial, dessa falta de iniciativa e da necessidade das pessoas encontrem o sentido de suas vidas para transformarem o mundo com consciência, liberdade e responsabilidade.



Ronnedy Pires de Paiva é Psicólogo, Pós-graduando em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica. Trabalha em clínica sob orientação Existencial e tem compartilhado reflexões sobre a existência, cotidianidade, sentido da vida e outros assuntos no Instagram @ronnedypaiva_.


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