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Cobra Kai - O problema de não nos comunicarmos

por Andrey da Silva Aires - CRP 07/33087


(Primeiramente gostaria de avisar que ao ser publicado este texto, Cobra Kai conta com duas temporadas. Aqui, vou abordar acontecimentos de ambas (primeira e segunda temporadas), então se quiser pare agora de ler, assista a série e depois volte, pois haverão spoilers da história).


Em 1984, Daniel-san abalava o mundo jovem quando vencia um campeonato de karatê contra os malvados Cobra Kai liderados por Johnny Lawrence. Se você tem a minha idade (23 anos) ou for mais velho, as chances são que você cresceu vendo seus colegas de escola dando chutes da garça no recreio, passando e tirando cera dos carros ou pintando cercas de uma forma muito específica, tudo na esperança de aprender a lutar como o Sr. Miyagi ensinou.


Quatro filmes depois, todos acreditamos que a história do Myiagi-Do havia acabado. Eis que, 34 anos depois, em 2018, o YouTube resolve reviver a história do Vale de São Fernando na Califórnia quando estreia a primeira temporada de Cobra Kai, que dessa vez acompanha a vida de Johnny Lawrence anos após os acontecimentos da série original de filmes.


A série toma a abordagem de seguir o “vilão” dos filmes e decide mostrar os acontecimentos passados sob sua ótica, nos fornecendo outro ponto de vista sobre a história de Karatê Kid. Durante os episódios, vemos Johnny tentando reviver o dojo Cobra Kai que foi fechado, mas tentando fazê-lo um lugar melhor do que era no passado.


No decorrer da série, Daniel e Johnny se reencontram e passam a se desentender constantemente. Daniel não gosta que seu ‘’inimigo’’ Cobra Kai esteja voltando e decide tentar parar isso com as próprias mãos, chegando até mesmo a maquinar para aumentar o aluguel do dojo para que ele precise fechar. Johnny também não facilita, pois confronta Daniel-san a toda oportunidade, e muitas vezes, sem razão aparente.


Essas situações se agravam conforme suas vidas se tornam cada vez mais enroscadas, como quando Robby (filho de Johnny) passa a ser protegido e treinado no Miyagi-Do ou quando o primo de Daniel (Louie) incendeia o carro de Johnny por vingança, quando ele acredita que Johnny foi o responsável por desenhar um pênis no cartaz da empresa de Daniel.


Os problemas de Robby e Johnny, de Samantha (filha de Daniel) com Miguel (principal pupilo do novo Cobra Kai), de Samantha e Aisha (outra pupila do novo Cobra Kai), entre tantos outros, se baseiam principalmente não falta da habilidade de comunicação, entre os envolvidos, mas para esta reflexão, vamos focar em Johnny e Daniel para facilitar. Entre os dois homens podemos pensar que as situações são piores, pois ao contrário dos adolescentes, é esperado que eles já consigam fazer isso, devido ao período da vida em que estão.


Ambos, Daniel e Johnny, parecem se recusar a falar um com o outro, além disso, nas vezes em que um tenta argumentar de maneira madura, o outro parece resoluto em não ouvir. Cobra Kai apresenta o interessante ângulo de tornar todos os envolvidos humanos e não arquétipos. Aqui, não há mocinhos nem vilões, só pessoas fazendo o melhor que podem na situação em que estão.


Os leitores mais perspicazes vão notar que anteriormente, à palavra habilidade está destacada. A razão disso é que esse é o ponto mais importante do texto: que passemos a ver nossa comunicação como uma habilidade aprendida, e por isso, algo que pode ser treinado, e não como algo que nascemos com ou que não precisamos desenvolver de forma ativa.


Mas, claro este texto não é só teórico, eu também ofereço a forma de começarmos a fazer isso. Mas primeiro precisamos entender algo: comunicação acontece em nível analógico e digital, isto é, nossas palavras (e tom de voz) e nossos gestos (e outros comportamentos) precisam ser congruentes entre si para conseguirmos passar aquilo que realmente queremos.


Vemos tanto Johnny quanto Daniel agressivamente acusando um ao outro de tomar atitudes que eles espelham, gritando e xingando. Algumas das acusações nem são verdadeiras, mas o outro simplesmente se recusa a considerar a possibilidade de estar errado. O pior de tudo é que em determinado momento temos um pequeno vislumbre que demonstra que eles poderiam até ser amigos, caso permitissem ver e ouvir o outro sem levar em consideração sentimentos passados.


E, com isso, vamos ao segundo ponto que precisamos aprender para termos uma comunicação mais efetiva: precisamos estar dispostos a ouvir! “Ah Andrey mais fácil falar do que fazer, especialmente no meio de uma discussão”, sim eu concordo, mas para isso precisamos ter estratégias. Ninguém espera que nos tornemos robôs que são friamente calculistas com aquilo que vamos dizer a todo o tempo, mas é ideal que saibamos quando estamos em um momento onde estamos predispostos a dizer coisas que não queremos de verdade.


Nos comunicarmos efetivamente não tem a ver com sermos sempre educados, mas sim, de ajudarmos o outro a entender aquilo que realmente queremos dizer, pois, ao contrário da crença popular, somos parcialmente responsáveis pelo que os outros entendem.

A situação entre os protagonistas é na verdade comum, quando tentamos falar com alguém que desperta muita emoção em nós, seja ela qual for, temos mais dificuldade, e não podemos garantir que a outra pessoa vai estar engajada em comunicação efetiva assim como nós. Eu diria que essa parte é a mais difícil, a frustração de tentar conversar com alguém que aparentemente não quer ouvir.


Só podemos ser responsáveis pelo que fazemos, com isso precisamos pensar que desenvolvemos nossa habilidade de conversar com o objetivo de sermos melhores, na maioria de ambientes possíveis, e não somente com uma pessoa específica. Mas aja treino antes de chegarmos na parte onde decidimos o que fazer em uma situação altamente emocional.


Em resumo, ao falar precisamos ter em mente que devemos: 1) escolher nossas palavras; 2) escolher o tom de voz mais adequado ao sentimento que eu quero passar; 3) escolher os gestos (linguagem corporal) mais adequados com o que quero realmente expressar. Além disso, precisamos de muita disposição para ouvir o outro e procurar o sentido naquilo que ele diz, especialmente quando esse outro for menos hábil que você em se comunicar efetivamente.


Ao fim da segunda temporada, Kreese (antigo sensei de Johnny) toma o controle do novo Cobra Kai para si, e a série dá a entender que para vencer essa nova velha ameaça, Daniel e Johnny vão precisar se entender. Para isso certamente eles vão precisar lavar sua roupa suja, e para nós fãs, fica o desejo de que isso seja feito de forma adequada.


Andrey da Silva Aires é psicólogo clínico de indivíduos, famílias, casais e pós graduando em psicologia e sexualidade. Também é criador da página Andrey Aires Psicologia no Instagram e Facebook onde desenvolve um trabalho focado em abordar conceitos da psicologia de um jeito simples, muitas vezes usando a cultura pop como paralelo para nossa vida.



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