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Morgan Jones e o Transtorno de Estresse Pós-Traumático

por Giovanna de Boni Fraga - CRP 07/29470


Morgan Jones é um dos primeiros personagens sobreviventes do apocalipse zumbi a aparecer na série The Walking Dead, logo após de Rick Grimes sair do hospital e encontrar o mundo tomado por mortos-vivos. O encontro deles não foi o mais amigável, pois o filho de Morgan, Duane, acertou com um bastão a cabeça de Rick que ficou inconsciente por algumas horas. Quando retomou a consciência, eles puderam conversar sobre o estado do mundo, e Morgan encontrou um amigo em quem confiar. Ainda buscava superar a perda da sua esposa que havia virado zumbi. Ele e Duane se esconderam por bastante tempo, mas com a chegada de Rick, eles tiveram de repensar sobre o modo como vinham agindo.


Morgan é um homem por volta dos cinquenta e cinco anos, afro-americano, de estatura mediana. Ele é inteligente, carinhoso e destemido. Antes do surto, era um pai de família, amoroso que trabalhava para sustentar sua esposa e seu filho. Assim que o apocalipse aconteceu, e depois de ver a transformação de sua amada, ele não foi capaz de pôr um fim nela, e vinha tentando evitá-la. Contudo, de algum modo, ela os seguiu, fazendo com que Morgan não tivesse paz. A motivação que tinha para lidar com o novo mundo era o seu filho que o fazia voltar para a realidade, e entender que o passado já não estava mais ali. Desde que Rick partiu em busca de sua família, eles tentavam trocar informações e notícias por um walkie-talkie. Contudo, foram perdendo contato conforme Rick foi se afastando do lugar onde estava, e isso deixou Morgan abalado com o distanciamento da nova amizade que havia feito, pois ele havia confiado nas palavras de Rick.


Não houve notícias de Morgan Jones até a terceira temporada, quando Rick, Carl e Michonne foram até lá buscar armas. A cidade estava coberta de estacas; diversos zumbis estavam mortos e outros presos em armadilhas espalhadas pelas ruas. Carl ficou assustado, mas tentou manter a calma, Michonne ficou curiosa e convencida de que não havia sido uma boa ideia, já Rick apesar da seriedade estampada em seu rosto, estava agitado e preocupado. Um homem de estatura mediana no alto de um prédio, mascarado, começou a atirar contra eles, e a se aproximar. Carl, atirou nele, e Rick descobriu que o mascarado era Morgan. Então, eles o levaram para o lugar onde morava depois do apocalipse. Rick continuou ali até que acordasse, e Michonne e Carl saíram para explorar a cidade. Quando Morgan acordou, ele pegou uma faca que estava perto e partiu para cima do cara que havia salvado há tempos atrás. Rick ficou ferido, e Morgan pediu para que ele o matasse, pois não estava bem com a situação, contou que além de ter perdido sua esposa, agora não tinha mais seu filho que fora mordido pela própria mãe, forçando Morgan a matá-la de vez. Rick, tentou convencê-lo a se juntar a eles e voltar para a prisão onde estava, mas ele se recusou e disse que não queria ver mais pessoas morrendo, e disse a Rick que podia pegar munições e armas se assim fosse necessário, mas que continuaria ali. Eles três deixaram a cidade enquanto Morgan queimava alguns zumbis.


Morgan não apareceu mais depois deste momento, o que deixou no ar o real estado em que deveria se encontrar. Na quinta temporada, é visto perto da placa do Terminus. Não se sabia o que havia acontecido, contudo, a aparição dele dava a entender que logo mais sua história seria contada. Rick passou por diversas situações complicadas, como a morte da sua esposa, ter de criar os dois filhos em meio a um apocalipse zumbi, andar pela estrada em busca de abrigo, salvar seu filho de um grupo de homens mal intencionados, enfrentar um grupo de canibais, ficar na dúvida se depois de tudo o que passou ainda seria aceito na comunidade de Alexandria. Ou seja, Rick, não teve tempo de pensar no amigo que estava há milhões de quilômetros distantes de onde se encontrava, e também, depois de todos esses acontecimentos, já não era mais o mesmo. Morgan o reencontrou quando ele deu um tiro no marido de Jessie, Pete, e isso foi um choque, porque ainda que no último encontro dos dois, Morgan estivesse num momento de desespero e raiva, reconhecia Rick e sabia da sua bondade, determinação e coragem, e vê-lo matando uma pessoa a sangue frio, foi como se tudo o que lembrava sobre Rick de repente tivesse sido quebrado.


Na sexta temporada, foi exposta sua história de forma minuciosa, todos os detalhes e curiosidades foram desvendados em um único episódio, só que desta vez Morgan veio para permanecer um tempo maior do que apenas um ou dois capítulos. No período em que Morgan estava sem aparecer, desde o encontro com Rick em que tentou atacá-lo, ele passou por situações bem impactantes. A perda da sua família o fez ficar arrasado, e quando percebeu que não podia mais contar com o amigo que fizera, ele entrou em um estado de descontentamento muito grande com o mundo, e passou a não apenas matar os zumbis, mas tudo o que via pela frente. Foi um momento difícil, pois estava passando pelo Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Isso, foi declarado, quando esteve hospedado com um psiquiatra forense. Eastman, o homem que o abrigou, e tinha uma cabra chamada Tabitha, lutava aikido, e morava em um campo sozinho, ele fez com que Morgan começasse a ter uma nova visão da vida. Depois de tudo o que passou, era difícil sair do estado em que estava, porque não tinha mais perspectiva de viver.


Eastman descreveu o que Morgan sentia, e foi o seguinte: ‘’A cena se repete sem parar. Seu corpo está aqui, mas a sua mente continua lá. Há uma porta, e você quer atravessá-la para sair dali. E você a atravessa, mas ela o deixa naquele exato momento. Então, vê a porta novamente, e sabe que não funcionará, mas talvez funcione. E quando a cruza, está de volta aquele momento horrível, todas as vezes. Ainda sente todas as vezes. E deseja parar de abrir aquela porta. Então fica parado. Mas eu garanto que uma porta é a saída’’. Após este momento, Eastman disse que a cela em que Morgan estava nunca estivera fechada, e ele poderia dormir no sofá se quisesse ou ir embora, mas que não o deixaria com que o matasse. Saiu da cela, esperou uns instantes, e atacou o homem; então, pediu que o matasse, pois não aguentava mais a dor que sentia. Eastman, considerando a situação, respirou fundo, e disse que ele tinha duas escolhas o sofá ou ir embora; Morgan, voltou para a cela. Os dias passaram, Eastman o ensinou a lutar aikido, e contou sobre sua vida antes do ocorrido, falou sobre sua família, além do trabalho de pesquisa sobre o comportamento violento das pessoas. Eastman morreu salvando Morgan que ficou desnorteado por algumas horas, mas se recuperou rapidamente, pois sabia que precisava ajudar o homem que o havia tirado do estado em que se encontrava antes.


O diagnóstico clínico do Transtorno de Estresse Pós-Traumático, segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - quinta edição (DSM-5) -, se baseia nos seguintes critérios: que os pacientes devem ter sido expostos direta ou indiretamente a um evento traumático com duração de um mês. Os sintomas de Morgan eram: ter memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas e/ou perturbadoras; agir ou sentir como se o evento estivesse acontecendo de novo, desde flashbacks até perda total de consciência do ambiente atual; evitar pensamentos, sentimentos ou memórias associados ao evento; evitar atividades, locais, conversas ou pessoas que desencadeiam memórias do evento; convicções ou expectativas negativas persistentes e exageradas sobre si mesmo, outros ou o mundo; pensamentos distorcidos persistentes sobre a causa ou consequências do trauma que levam a culpar a si mesmo ou outros; estado emocional negativo persistente; sensação de distanciamento ou estranhamento em relação a outras pessoas; incapacidade persistente de experimentar emoções positivas; irritabilidade ou explosões exacerbadas; comportamento imprudente ou autodestrutivo; hipervigilância. Existem mais uma variedade de sintomas dependentes do caso, estes, são exemplos de como estava o estado comportamental, mental e emocional do Morgan.


Morgan teve de lidar com situações complicadas, mesmo depois de ter superado o Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Situações essas em que grupos apareceram para tirar a serenidade na comunidade de Alexandria; o fato dele proteger um rapaz de um grupo rival, pois estava machucado e precisava de cuidados médicos, foi estressante, pois poderia ser descoberto, tanto que foi; também teve o momento em que os personagens se encaminhavam para uma guerra contra um grupo poderoso e forte denominado de Salvadores, onde Morgan, percebeu que estava voltando a ter pensamentos estranhos; ele teve de matar um membro da sua comunidade, pois o homem havia enganado a todos e isso fez com que todos discutissem; todos esses acontecimentos fizeram com que Morgan chegasse num nível de estresse tão grande, que decidiu se afastar do grupo e seguir sozinho. Já não conseguia dar conta de toda aquela pressão.


A história de Morgan é rica em detalhes que são possíveis de acontecer em situações de estresse, caso não tenhamos o apoio necessário de que precisamos. Ali, num apocalipse zumbi, o máximo de suporte psicológico que teve, foi de Eastman e de uma psiquiatra que na verdade tinha de cuidar dos ferimentos das pessoas, ao invés do sofrimento psíquico. Ainda que esta realidade esteja longe de nós, devemos cuidar do nosso lado emocional, independente se vivemos uma situação traumática ou não. Cuidar da nossa saúde mental e emocional é uma forma de autocuidado; bem-estar; fortalecimento da autoestima; superação de traumas, medos e angústias; entre outros. Algumas vezes, Morgan tinha recaídas, mas não deixava isso o abalar, pois sabia que já tinha superado, e, como Eastman havia falado, já tinha atravessado a porta.



Giovanna de Boni Fraga é escritora e psicóloga, formada pela PUCRS. Idealizadora do Projeto Relatos Porta Adentro, com o intuito de trazer leveza ao tempo de quarentena. Através do

autoconhecimento ajuda pessoas a se conectarem com a sua criatividade.

Acompanhe seu trabalho em:

https://medium.com/@giovannafraga

https://medium.com/@relatosportaadentro

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