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A maldição da Mansão Bly e a dor da perda

por Carolina Luz de Souza - CRP: 06/87499

“O tempo leva tudo, até nossa alma e nossas memórias”


A maldição da Mansão Bly é uma minissérie de terror que estreou em Outubro de 2020 na Netflix e faz parte da Antologia da maldição, cuja primeira temporada foi a incrível A maldição da Residência Hill.


Baseada nas obras do escritor Henry James, traz Dani Clayton (Victoria Pedretti), americana que se muda para Londres e aceita uma posição como babá para dois órfãos, os irmãos Miles (Benjamin Ainsworth) e Flora (Amelie Bea Smith). Ela muda-se para a Mansão Bly, onde é recebida pela governanta Hannah (T'Nia Miler), a jardineira Jamie (Amelia Eve) e o cozinheiro Owen (Rahul Kohli). O ano é 1987. Já no início podemos perceber que Dani não vai até a mansão por acaso: ela foge de um trauma que a persegue e a leva em direção àquele destino, onde outros espíritos afins a aguardam.


As crianças de quem ela cuidará são muito unidas e tocadas pela perda, assim como todos os outros personagens que moram na mansão. Unidos por suas tragédias pessoais, eles acabam formando uma família improvável.


Como todo palco em que se passa uma boa história de terror, a mansão Bly é povoada por fantasmas. Alguns tão antigos que já não lembram quem são e já tiveram até mesmo suas feições ceifadas pela ação do tempo. Outros, recentes e ainda em choque com sua nova posição, lutam de forma imoral para voltar ao mundo dos vivos e fugirem ao destino cruel de serem completamente esquecidos.


Podemos entender que os fantasmas são psicologicamente complexos que tentamos reprimir sem sucesso e permanecem nos assombrando enquanto não os encaramos de frente. Memórias de tragédias, traumas, acontecimentos que gostaríamos de esquecer, mas que estão sempre presentes. Cada tentativa de repressão acaba dando mais força a esses personagens internos e nosso medo de lidar com eles é o que os torna tão assustadores.

Cada personagem na série possui uma coleção dos seus próprios fantasmas: remorsos, perdas, culpa, traumas. Ao longo dos nove episódios, todos terão que olhá-los nos olhos e ouvir o que têm a lhes dizer.


A mansão Bly é um personagem por si só: um local que anseia, prende a respiração e é marcado pela dor da perda e a recusa em aceitar as desilusões e transformações da vida.


O primeiro fantasma que abrigou é o de Viola que, acometida por uma doença terminal, recusa-se a morrer e deixar a filha e o marido para trás por medo de ser esquecida e substituída pela irmã, Perdita. Sua recusa em aceitar seu destino traz dor e sofrimento não apenas a ela, mas à sua família e a todos os que viverão na mansão Bly a partir de sua morte. É que Viola mesmo morta continua vagando pela mansão à procura de sua filha e de seus pertences. Com o passar dos anos e dos séculos, ela não lembra mais o que procura, mas continua sua caminhada solitária pela casa em busca de algo que sente que lhe foi retirado. Quem estiver em seu caminho será morto sem piedade. É assim que os fantasmas na mansão vão se acumulando.


Seu ódio e incapacidade de desapegar daquilo que um dia ela foi e o que acha que lhe pertencia funcionam como um campo de força que atrai os fantasmas daqueles que morreram na mansão. Ao longo de todos esses séculos, eles não podem deixar o local e são constantemente sugados por suas lembranças, boas ou ruins. Os fantasmas também têm fantasmas a encarar.


A maldição da mansão Bly, mais do que uma história de terror, é um conto sobre o amor e como ele pode transformar nossa vida mesmo após a morte.


Alguns fantasmas estão presos por posse, por acreditar que têm direito a algo que lhes foi tirado. É o caso de Viola e Peter Quint, ambos presos em suas piores memórias de perda e sofrimento. Viola tenta recuperar sua filha; Peter, tenta recuperar a vida. Porém, o preço que pagam por esse apego é a vida das pessoas que dizem amar. É como a jardineira Jamie diz à Dani: “As pessoas confundem posse e amor”. As duas, aliás, estabelecem uma relação onde há amor verdadeiro e respeitoso tanto à individualidade de cada uma quanto à inevitabilidade do destino.


Dani culpa-se pela morte do noivo e melhor amigo de infância que foi atropelado logo após ela dizer-lhe que não queria casar-se com ele. É que ela estava descobrindo a si mesma e sua própria sexualidade e, ousando ser quem era, acabou matando a segurança do seu mundo conhecido. Seu noivo era a única família que ela conhecia e, com sua morte, vê-se sem lar. É na mansão Bly que ela encontra o lugar ao qual pertence, pois ali todos têm tragédias em seu passado.


Desde a morte do noivo, Dani é assombrada pela culpa. Ao olhar no espelho, ela vê sua culpa refletida nos olhos do fantasma, a culpa por ser quem ela é. É no relacionamento com Jamie que ela aprende a se aceitar e pode, finalmente, exorcizar esse fantasma.


Quando Viola ameaça levar a menina Flora para o fundo do lago achando que é sua filha, Dani a convida para viver dentro de si. O fantasma passa a morar dentro dela e Dani dá nova vida à Flora ao incorporar em si toda a malignidade do feminino daquele lugar.

Temos em Dani e Viola as duas faces do feminino: aquele que dá a vida e aquele que traz a morte, o ciclo inexorável da natureza e da vida.


Dani/Viola vive com Jamie por vários anos, uma vida feliz e completa. Porém, seus dias de felicidade estão contados desde o princípio. Dani sabe que um dia o monstro que vive dentro dela tomará conta e ela terá que partir para não machucar a pessoa que ama. É que Viola descansa inativa, porém não redimida. Ela não pode conhecer o amor e generosidade de Dani pois nunca teve essas qualidades.


Com o tempo, Dani começa a ver os reflexos de Viola no espelho e se sente perdida de si mesma. Diz que já não reconhece seu rosto. Ela sabe que Viola está tomando conta dela e decide fugir e viver para sempre no lago da mansão Bly onde Viola dormiu por tantos séculos. Porém, sua generosidade e amor impede que o monstro continue assombrando a casa. Todos os fantasmas descansam em paz com o sacrifício de Dani.


A maldição da mansão Bly é uma história de amor e de perda. A lição que esta série nos ensina é que amar alguém verdadeiramente vale a dor de um dia perdê-la.


Carolina Luz de Souza é psicóloga junguiana, mestre em Psicologia Clínica e Especializada em Terapias corporais e artísticas.

Trabalha com o desenvolvimento feminino e acompanhamento emocional do pré-natal e puerpério. Realiza atendimento a adultos, adolescentes e crianças na cidade de Campinas e online para todo o Brasil.


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