Larissa César CRP 03/9058
A série conta a história de quatro amigas envolvidas por relacionamentos complexos, traz contextos contemporâneos, inclusive com discussões sobre o feminismo. E mais do que isso, apresenta personagens que encantam por sua capacidade de despertar identificação diante de problemas tão comuns na sociedade.
A protagonista Valéria é quem dá nome a série, uma mulher de 28 anos, com problemas tanto no casamento quanto na área profissional, ela deseja terminar seu livro. Ao longo da sua jornada vemos uma escritora se descobrindo como mulher para também redescobrir a sua escrita, tudo isso a partir da manifestação de insatisfação com o rumo de sua vida. Casada desde os 22 anos, Valéria era a mulher definida por um relacionamento, ainda que muitos digam que 22 anos não é uma idade tão jovem, é o início da vida adulta, e nesse sentido todos os seus sonhos passaram a ser direcionados no contexto da relação. Seis anos depois, Valéria tenta finalizar seu livro, entre desistências de empregos fixos e falta de perspectiva para o futuro, ao mesmo tempo, em que busca o apoio de seu marido, Ádrian, e não encontra. É interessante observar a dualidade existente na personagem, Valéria, que não é vilã nem mocinha, mas apenas uma mulher, que erra e acerta, tem suas falhas, inseguranças, vulnerabilidades, que vive dilemas tanto pessoais quanto profissionais, trazendo identificações reais.
Ainda que não tão profundamente, Valéria também se preocupa em explorar parte dos contextos familiares das personagens, principalmente as dinâmicas relacionais entre mães e filhas. Para Lola, sua mãe a abandonou para seguir sua carreira, e a mágoa faz com que ela veja a situação apenas pelo aspecto da insensibilidade de sua mãe, ela não tenta entender o lado de sua mãe ou até mesmo se fosse seu pai que tivesse se mudado pela carreira, talvez ela o perdoaria, entenderia e ainda teria orgulho das suas escolhas. Talvez seu pai fosse lembrado apenas como um grande músico e não como o homem que abandonou o lar. Mas é sua mãe quem foi tocar numa grande orquestra, se tornando a pessoa que ela culpa por sua dificuldade em se envolver nos relacionamentos ou por se envolver em relacionamentos conturbados.
Já a personagem Nerea é lésbica, mas não assume sua sexualidade para a família por medo de perder o apoio financeiro deles. Ela está terminando seus estudos e trabalha como advogada no escritório da família, ao mesmo tempo se envolve em relações com outras mulheres, mas em uma performance que reflete padrões heteronormativos, isso acaba prejudicando ela num envolvimento mais sincero com seus pares românticos. Ao mesmo tempo em que deseja se envolver, age de forma fria, distante e ausente, e quando algo começa a se tornar mais profundo, ela estranha.
Por fim, há Carmen e sua principal dificuldade é se impor, seja para iniciar um relacionamento com um colega de trabalho, seja para alugar o apartamento dos seus sonhos. Carmen trabalha em uma agência de marketing e começa a se envolver com um colega de trabalho, a medida que toma a iniciativa no relacionamento, consegue se revelar mais no trabalho. Sabe quando a mulher se sente inferior ao homem em âmbitos profissionais? É exatamente o que acontece com a personagem. Carmen ganha mais autoridade e confiança, tanto em seu trabalho quanto em suas relações, demonstrando mais segurança em diferentes aspectos da sua vida.
Valéria é uma série que traz questões muito importantes que devem ser discutidas em qualquer relacionamento, mas tem um foco nas relações de gênero, mostrando o que as mulheres passam, com reflexões bem significativas sobre os diversos problemas, como por exemplo: se sentir inferior ao colega e mal por demonstrar o seu melhor, ou se prender em um relacionamento que não faz bem pela pressão social, ou se colocar em um relação numa posição submissa, ou não poder assumir sua sexualidade por medo das consequências e principalmente não ter a liberdade de fazer o que tem vontade e ser quem é.
Quem não assistiu, vale a pena conferir!!
Larissa César é psicóloga, com formação em Terapia Familiar Sistêmica. Atende online e na área acadêmica seus interesses estão voltados para relacionamentos amorosos, conjugais e familiares, autoestima, relações de gênero e luto.
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