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Record of Ragnarok - Como ser um dos “humanos mais poderosos da história”?

(Possíveis spoilers até a segunda temporada do anime)

Andrey da Silva Aires - CRP 07/33087


Record of Ragnarok conta a história do evento em que os deuses decidiram exterminar a humanidade, mas foram convencidos pelas Valquírias a nos darem uma chance. Assim, são reunidos 12 dos humanos mais poderosos da história, para tentarem vencer o torneio que vai decidir o destino da raça humana: destruição ou salvação, sendo que os primeiro time a vencer sete lutas será coroado o vencedor do Ragnarok.


A ideia de que é necessário um esforço conjunto de múltiplos indivíduos para um esforço comum é absolutamente antiga e uma crença compartilhada por exércitos da antiguidade e times de futebol igualmente. O que diferencia a situação do anime é que os times da vez (humanos vs deuses) são conceitualmente diferentes e é sobre isso que vamos falar.


Deuses são conceitos existentes em nosso mundo que representam coisas (destruição, re-nascimento, vida, morte, e infinitas variações disso) e simbolicamente falando a humanidade vem enfrentando estas forças, buscando dominá-las e brandi-las desde sempre, atualmente e certamente no futuro também. Os combates do anime são feitos contra representações físicas desses conceitos, mas eu que escrevo, você que lê e todo mundo que a gente conhece luta as mesmas batalhas de forma muito menos óbvia, e esse é um problema.


É um problema por que frequentemente se torna demais para um indivíduo enfrentar o peso de viver por si só, especialmente se esta pessoa compreende que às vezes, precisamos lidar com sofrimentos que advém de um conceito, e este sofrimento não poderia ser impedido mas precisa ser enfrentado. Imaginem por exemplo o sofrimento que ocorre após o término de um relacionamento, ele é consequência de se ter amado em primeiro lugar, e não há como evitar a possibilidade do sofrimento quando há afetos positivos ou negativos em qualquer relação.


O enfrentamento individual destas batalhas também pode fazer com que o indivíduo sinta que suas ações são insignificantes perante a enormidade do inimigo. É aí que os lutadores da humanidade no anime nos ensinam uma lição importante: a característica mais humana e a única que todos eles compartilham é o esforço. Não há lutas fáceis no torneio, e frequentemente a humanidade (o conjunto dos seres, a sociedade) que repousa sobre os esforços de um único humano, perde.


Sozinhos, os humanos mais poderosos da história seriam absolutamente incapazes de vencer o Ragnarok, mas sem seus esforços individuais seria igualmente impossível para a humanidade (o todo) vencer e sobreviver. Enquanto isso parece extremamente óbvio, pensem por exemplo, em quantas vezes vocês ouviram pessoas falarem que vão votar em branco pois todos os políticos são iguais, que seu voto não iria mudar nada, ou outras coisas nesse sentido.


O filósofo Hans Jonas usa a frase "contar os dias e fazer os dias contar" para descrever atitudes pequenas em escala social mas imensas em escala pessoal em termos de mudanças que queremos ver no mundo e em nosso futuro. É muito difícil nos convencermos que minha cidade inteira está mais limpa por que eu decidi não jogar um papel no chão, e este "por que" é o que faz toda a diferença: pensar assim significa que o insignificante indivíduo toma o poder (e por consequência a responsabilidade) de influenciar o mundo todo.


Essa mudança de pensamento se trata da exaltação do esforço: a compreensão de que talvez eu não mude as coisas, mas tentar é bom o suficiente. O resultado final da tentativa de influenciar a sociedade, o mundo, etc é menos importante do que a tentativa de fazer isso. É fundamentalmente complexo pensar que o seu melhor provavelmente não vai fazer com que você se torne uma grande figura histórica, marcante para a humanidade como um todo, mas que seus esforços na realidade que você toca tem potencial absolutamente transformador dessa realidade.


Usando como exemplo anedótico minha vida como psicólogo, eu provavelmente não vou entrar para os livros de psicologia como um dos grandes profissionais e pensadores da minha época, mas seria negligente considerar que não tenho impacto na vida dos clientes que vem até mim, um impacto (que eu espero ser) transformador e imenso, na proporção micro da vida de um indivíduo (ou no meu caso de uma família).


O mesmo pensamento se aplica para quando decidimos ser gentis com alguém na rua, dar o lugar no ônibus, quando escolhemos não jogar o cigarro no chão, e milhões de ações diárias e quase imperceptíveis mas que ao serem propositalmente feitas ou evitadas dependendo da situação, denotam nosso esforço imenso e insignificante de mudar nosso mundo. "Fazer os dias contarem" é uma métrica relativa a tentativa de fazer eles contarem, não ao resultado, e isso é importante porque esta tentativa significa que não estamos vivendo de maneira a somente "contar os dias".


E você? Se estivesse no torneio do Ragnarok, também se sentiria esforçado o suficiente para ser conhecido como um dos humanos "mais poderosos da história"?


Andrey da Silva Aires é psicólogo clínico de indivíduos, famílias, casais, especialista em psicologia e sexualidade e mestrando em psicologia.


Também é criador da página @andrey.aires.psicologia no Instagram e Facebook onde desenvolve um trabalho focado em abordar conceitos da psicologia de um jeito simples, muitas vezes usando a cultura pop como paralelo para nossa vida.



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