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ROUND 6 - O que sobressai no ser humano?

Por Ronnedy Pires de Paiva (CRP 08/26257)


A mais recente febre entre as séries mundiais, disponibilizada pela Netflix, chama-se Round 6 (2021). O drama coreano, criado por Hwang Dong-hyuk, conta a história de um grupo de pessoas em dificuldade financeira que aceitam participar de um jogo em busca de um prêmio bilionário. Esse jogo tem três regras, primeiro: o jogador não tem permissão para desistir do jogo; segundo: o jogador que se recusar a participar, será eliminado; terceiro: os jogos só poderão ser encerrados, caso a maioria decida. Privados do convívio social, esses jogadores terão seis tipos de jogos para se consagrarem campeões. Os jogos são brincadeiras infantis, com uma diferença, o custo da derrota é a própria morte. Assim, os 456 jogadores, a cada round, lutam pela sobrevivência e para alcançarem o tão esperado prêmio, podendo, dessa forma, darem um final diferente à suas vidas.


Apesar de infantis, os jogos são altamente violentos, levando vários participantes à morte. Essas mortes, entretanto, correspondem a mais dinheiro. Acontece que, ao final de casa round, o valor é acumulado, podendo chegar a 45 bilhões de wons. Para que esse premiação seja completa, é necessário que os outros jogadores sejam eliminado. Contudo, apesar de toda essa violência, existem aqueles que se ajudam mutuamente e se protegem, como também, existem aqueles que não se importam com o outro.


No desenrolar do enredo, muitas coisas mudam: amigos viram inimigos, estranhos se unem, jogadores trapaceiam ou, caso necessário, matam uns aos outros fora dos jogos, seja pela própria sobrevivência ou por privilégios. A busca pelo dinheiro e pela própria vida se sobressai a qualquer custo. Surge então a pergunta: quando privado da liberdade e colocado em situações estressantes, onde dinheiro e vida estão em disputa, o que se destaca no ser humano é a hostilidade e o ódio?


Sigmund Freud, em seu livro “O mal-estar na civilização”, diz: o “desconhecido não apenas não é digno de amor em geral; tenho de confessar, honestamente, que ele tem mais direito à minha hostilidade, até ao meu ódio [...] Quando lhe traz vantagem, não hesita em me prejudicar” (p. 55), e completa dizendo: “o ser humano não é uma criatura branda, ávida de amor, que no máximo pode se defender, quando atacado, mas sim que ele deve incluir, entre seus dotes instintuais, também uma forte quinhão de agressividade” (p. 57). Isso é bem característico em vários momentos da série, por exemplo, quando Cho Sang-Woo, nº 218, finge que ajudará o seu amigo Abdul Ali, nº 199, um paquistanês que perdeu os dedos em uma fábrica e que nunca foi indenizado, guardando suas bolinhas de gude, mas, que ao invés disso, as rouba, pois no jogo estava perdendo. Ou quando, no próximo jogo, Cho Sang-Woo joga outro participante para a morte eminente, quando esse demorava para tomar uma decisão, colocando todos os outros em risco. Ou ainda, quando Seong Gi-Hun, nº 456, começa a trapacear no mesmo jogo de bolinhas gude, usando do aparente esquecimento de Oh Il-Nam, nº 001, que tem um tumor no cérebro, para tomar proveito e vencer a partida.


Tais recortes da série, sem contar vários outros, dão voz a isso que Freud fala, que o outro não hesitará em te derrubar para se sobressair, caso seja necessário. Entretanto, em muitos outros momentos, se vê atitudes totalmente contrárias a essas, até mesmos desses jogadores que, em algum momento, se aproveitaram de situações e de pessoas. Viktor Frankl, em seu livro “Em busca de sentido”, diz: “como é possível que pessoas de carne e osso cheguem a inflingir tamanho sofrimento a outros seres humanos?” (p. 109), e termina dizendo: “de tudo isso podemos aprender que existem sobre a terra duas raças humanas e realmente essas duas: a ‘raça’ das pessoas direitas e a das pessoas torpes” (p. 112). Como contraponto ao próprio Freud, que diz que, ao expor um grupo diversificado a fome, por exemplo, apareceria uma uniformidade de comportamento, Frankl destaca que: “as diferenças individuais não se apagam, mas, ao contrário, as pessoas ficam mais diferenciadas, os indivíduos retiram suas máscaras, tanto os porcos como os santos” (p. 175). Essas atitudes são vistas em algumas situações, como quando Abdul Ali arisca a própria vida para segurar o Seong Gi-Hun no jogo da “Batatinha Frita 1, 2, 3”, ou quando, no jogo de bolinha de gude, o Seong Gi-Hun escolhe o Oh Il-Nam para ser seu parceiro em uma das provas, mesmo sob o risco de ser uma prova de resistência ou força e o seu parceiro ser fraco e debilitado. Também é possível destacar que o próprio Oh Il-Nam se sacrificou para que o Seong Gi-Hun vencesse o jogo, assim como aconteceu com a Kang Sae-Byeok, nº 067, que teve a vitória garantida pela desistência de sua oponente. Mas o ponto auge foi quando Seong Gi-Hun sugere a Cho Sang-Woo que desistam da prova, para que o amigo, já derrotado e prestes a morrer, continuasse vivo, desistindo dessa forma dos 45 bilhões de wons. Tais atitudes mostram que, em face ao desespero, pode-se surgir essas duas raças, sendo que, o que conta, no fim das contas, não é a liberdade de tais situações, mas sim, a liberdade de como agir em tais circunstâncias.


Assim, percebemos que Round 6 é uma expressão da sociedade, uma luta por dinheiro que, a qualquer custo, é vivida por muitas pessoas, deixando para trás um rastro de dor e morte, mas que pode, sem sombra de dúvidas, ser vivida de uma forma diferente, pois ao ser humano, em última instância, ainda reside a liberdade, não liberdade de, mas liberdade para tomar uma atitude diferente perante a vida.


Ronnedy Pires de Paiva é Psicólogo, Pós-graduando em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica. Trabalha em clínica sob orientação da Logoterapia e traz reflexões sobre a existência, cotidiano, sentido da vida e outros assuntos no Instagram @ronnedypaiva_.



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