por Tatiana Spalding Perez, CRP 07/26032
Lucifer é uma série leve, encantadora e divertida, como a atuação de Tom Ellis ao diabo. Apesar do enredo bobinho, o que mais me atrai na série são suas personagens. Cheias de complexidades e humanidades, as personagens em Lucifer (mesmo que divinas) trazem muito das angústias e desejos absurdamente humanos.
Dentre elas, Linda Martin, a psicóloga da trama, nos conecta com a humanidade do ser psi. Desde a confusão dos primeiros atendimentos até a elevação pessoal da terapeuta.
Na primeira temporada acompanhamos a confusão de Linda frente ao cliente Lucifer, ainda sem entender se o mesmo sofre de graves delírios ou se utiliza metáforas para se conectar com seus problemas. Sem saber que de fato existe algo sobrenatural na sua relação com Lucifer, Linda se vê diante problemas éticos no contrato terapêutico e diante à dificuldade de conseguir explicar a seu cliente como funciona a Terapia.
Não se engane, a dificuldade de Linda não ocorre devido a uma incompetência da psicóloga. Pelo contrário, mostra dificuldades que muitos temos em primeiros atendimentos, principalmente frente à clientes difíceis. Fora a questão ética da forma de pagamento (exagero da indústria cinematográfica), a não compreensão do processo terapêutico por parte de Lucifer, faz com que Linda constantemente se questione a cerca de suas intervenções e mostra o quanto como psis somos facilitadores, mas não temos controle sobre as interpretações e ações consequentes de nossos clientes. Com frequência vemos Linda repetir as frases "Não é assim que a Terapia funciona" e "Não foi isso que eu quis dizer".
Com o tempo, assim como em todo processo terapêutico, o vínculo estabelecido entre Linda e Lucifer faz com que as ansiedades de ambos diminuam e se compreenda melhor a dinâmica da Terapia para o cliente e para a terapeuta. Lucifer não é um cliente comum, o que exige de Linda que não seja uma terapeuta comum.
Outro movimento do vínculo que podemos observar na série é a confiança que Lucifer estabelece em Linda. Ao longo da trama, Lucifer revela sua identidade, literalmente mostrando sua verdadeira face. Neste ponto, Linda mostra novamente a humanidade do ser psi, ao se deparar com algo inesperado e avassalador para sua saúde mental. Respeitando seus limites, ela se afasta para cuidar de si e, após compreender melhor suas angústias pessoais, retorna ao trabalho.
A série Lucifer conta com três temporadas. São diversos os acontecimentos e olhares possíveis para a série. Volto aqui minha atenção à Linda, pois acredito que ela tem muito a nos ensinar como psis. Gosto de observar a forma como as produções culturais retratam o profissional psi e Linda me parece representar bem a nossa profissão (apesar de todos pesares, é claro).
Pra finalizar, fica a pergunta: Como seria pra você atender Lucifer, o anjo caído?
Tatiana Spalding Perez é psicóloga, CRP 07/26032 com Especialização em Terapia Sistêmico-Cognitivo de Famílias e Casais. Atende em consultório particular em Porto Alegre/RS e na área acadêmica seus interesses estão voltados para poliamor, relações conjugais e relações de gênero. Acompanhe seu trabalho em:
www.serterapeutadecasal.com.br
Gostei dos comentários sobre Lucifer! Não assisti mas parece interessante ver a atuação psi....Eu penso que seria o mesmo desafio que atender alguem sem limites para sua atuação na vida e que pensa que pode tudo.......o psi se depara com dificuldades que são comuns como lidar com a contratransferência ou impasses éticos e outras questões como conseguir ver o outro em sua plenitude e sem estereótipos. É trabalhar com aceitação e empatia apesar das dificuldades que podem surgir no processo terapeutico e a supervisão irá auxiliar neste momento... Afinal até o personagem Lucifer deve ter suas dificuldades não é mesmo?