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Dependências afetivas

Atualizado: 1 de mar. de 2019

Por Isabel Pessoa Fleury Amorim, CRP 05/52522


Desperate Housewives é uma série de televisão de ficção norte americana sobre seis amigas — Susan Mayer, Mary Alice Young, Bree Van De Kamp, Gabrielle Solis, Lynette Scravo e Edie Williams, que vivem na rua Wisteria Lane na cidade Fairview. A história começa pelo suicídio de uma delas, Mary Alice, se desenvolve em busca do motivo dessa morte, ao mesmo tempo em que conta a história de cada mulher.


Esse artigo irá comentar sobre parentalidade e dependência emocional a partir da análise da personagem Sunsan Mayer. Ela tem por volta de 30 anos, trabalha inicialmente como ilustradora de livros infantil, e vive com sua filha pré-adolescente Julie Mayer. Muito simpática, carismática, leal a suas amigas, mas atrapalhada, acaba sempre aparecendo em situações meio constrangedoras e engraçadas.


Susan é apresentada no início da série como mãe solteira, e no desenrolar da primeira temporada ficamos sabendo que seu ex-marido a traia e a trocou pela secretária. Seu par é Mike Delfino, seu novo vizinho encanador que desperta o interesse amoroso de Susan e de Edie; ambas acabam disputando o rapaz, e isso provoca idas e vindas do casal Susan e Mike.


Ao longo da série, Susan se relaciona com outros três homens. Podemos analisar que na maior parte das temporadas, a ilustradora está envolvida em algum relacionamento amoroso. Sua dependência afetiva é apontada por sua rival Edie em uma situação em que ambas ficam presas num porão, e Susan diz que não consegue viver sem um namorado. Depois disso, ela tenta manter um tempo sem nenhum parceiro amoroso, porém no desenrolar da história acaba se relacionando com outro homem.


O comportamento de Susan remete a uma situação de relação de dependência que pode ser definida por quatro elementos: motivacional, afetivo, comportamental e cognitivo (Bornstein e Cecero, 2000). Segundo as autoras, o componente motivacional refere-se à necessidade de suporte, orientação e aprovação. O segundo componente, o afetivo, está relacionado à ansiedade sentida pelo indivíduo diante de situações nas quais ele necessita agir independentemente. O componente comportamental alude à tendência de buscar ajuda de outros e de submissão em interações interpessoais. E o último componente remete à percepção do sujeito como impotente e ineficaz.


Outra questão apresentada pelo personagem é a parentetização, que ocorre quando existe troca de funções dos pais com os filhos em determinado contexto social, histórico e cultural. MELLO, Renata; FERES-CARNEIRO, Terezinha; MAGALHAES, Andrea Seixas


Nesse caso, Susan criou sua filha sozinha na maior parte da vida, porém a relação delas nunca foi a tradicional, mãe que cuida da filha. Sempre foi Julie a responsável, que cuidava da mãe quando terminava um namoro, a lembrava de seus afazeres, cozinhava para as duas, já que a mãe, sem habilidades culinárias, sempre acabava queimando a comida ou exagerando algum ingrediente, além de lhe dar conselhos amorosos.

Podemos considerar que Julie assumiu papel de mãe para conseguir viver naquele espaço de perdas e dores das duas, adotando o comportamento típico da parentalização, quando a criança busca garantir o bem-estar dos pais e do seu ambiente doméstico.


Outro motivo que pode provocar essa inversão seria a separação dos pais, como observa Anna Freud, que aponta para o fato do filho buscar preencher o espaço vazio deixado pela quebra da estrutura familiar. Nesse contexto, segundo Renata Carneiro, Andrea Magalhaes e Terezinha Ferés-Carneiro podemos perceber como “a parentalização dos filhos se mostra tributária de certa fragilidade narcísica dos pais, os quais encontram dificuldades para arcar com a estrutura e o direcionamento familiar. ”


Podemos dizer que a história de Susan acaba por ser uma repetição de padrão familiar, ela também tendo sido criada somente pela mãe, pois o pai tinha morrido na guerra. Quando o personagem da mãe de Susan aparece fica evidente as semelhanças das duas, enfatizando o lado caricato dos dois personagens. Ela e a mãe não têm uma relação muito boa, a mãe sempre querendo ter mais atenção e competindo com Susan, como se estivesse ainda na adolescência. Nesse aspecto, a relação Susan e Julie é bem diferente, as duas se dão bem, apesar das funções invertidas.


Esse comportamento de dependência emocional é mudado no episódio na série em que Susan descobre que sua filha passou para universidade de Princeton. De início, ela inventa diversas desculpas para filha não ir, como não ter dinheiro para pagar universidade. Nessa mesma ocasião, nasce a criança que Susan espera de Mike, e quando a primogênita vai visitá-la, em um momento de emoção, a mãe revela que mentiu porque não queria a filha ficasse longe dela. Julie, então, diz que a mãe já está forte e confiante para viver sozinha, e a moça acabar por seguir para a faculdade. Esse momento demonstra uma ruptura da parte da filha do padrão de dependência.


O rompimento se dá quando Susan já está casada com Mike e tem outro filho, o que dá uma base para suportar esse corte e essa perda, superando a dependência, ainda que mantenha afeto e carinho pela filha.


Sua relação com outro filho é, a princípio, bem diferente daquele que teve com a primogênita. A, relação é normal até mesmo durante o período que fica separada do seu esposo, quando tenta arrumar outro namorado ou reconquistar seu ex-marido, que na época estava namorando sua vizinha e amiga Katherine.


Podemos concluir que os termos parentalidade e dependência emocional têm características em comum, a de uma dependência de um outro, o qual limita autonomia e acaba os prejudicando.


Susan, nas últimas temporadas, tem uma mudança drástica de vida, quando tem que se mudar, aprender a cozinhar e viver com uma renda menor, ou seja, criar uma autonomia e desempenhar o papel de mãe com seu filho mais novo. Isso a torna mais madura, mas sem perder o humor e a graça. Na última temporada, o marido Mike morre e ela termina sozinha com o filho, fechando um ciclo afetivo, porém ela mais segura e autônoma de si.


Isabel Pessoa Fleury Amorim é psicóloga (CRP 05/52522) formada pela PUC Rio, atua pela psicologia junguiana em formação em arteterapia.

Atende em consultório particular crianças, adolescentes, jovens e idosos e também coordena oficinas em ONGs no Rio de Janeiro.







 

Referências bibliográficas:

MELLO, Renata; FERES-CARNEIRO, Terezinha; MAGALHAES, Andrea Seixas. Das demandas ao dom: as crianças pais de seus pais. Rev. Subj., Fortaleza , v. 15, n. 2, p. 214-221, ago. 2015 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2359-07692015000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 22 jan. 2019.

BUTION, Denise Catricala; WECHSLER, Amanda Muglia. Dependência emocional: uma revisão sistemática da literatura. Est. Inter. Psicol., Londrina , v. 7, n. 1, p. 77-101, jun. 2016 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072016000100006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 10 fev. 2019.

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