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Haikyuu! – O processo de autodescoberta através da experiência

por Luiz Guedes - CRP 07/30195


Haikyuu! é um mangá que recebeu adaptação para anime, contando até o momento com quatro temporadas até o momento e em hiato até o final de 2020 por conta da pandemia.


Fala sobre vôlei, um tema um pouco nichado em um primeiro olhar, visto que quem não se interessa pelo esporte não se interessaria pelo anime, porém é apenas neste primeiro olhar mesmo. Haikyuu conta a história de Shoyo Hinata, um menino que tem o sonho de se tornar

um grande Ace – nome dado ao maior pontuador do time – porém já sai em desvantagem ao ter apenas 1,62m, tendo que enfrentar bloqueadores de até mesmo 2m de altura.


O interessante é que que Hinata aprende aos poucos que tem uma capacidade de superação incrível, principalmente quando se vê inserido no time do Karasuno, escola onde ele vai cursar o ensino médio e entra para o clube de vôlei. Não são capacidades despertadas de maneira clichê a partir do famoso “poder da amizade” conhecido nos animes, mas uma conscientização real das capacidades de cada um do time, como cada um se coloca perante as funções que tem e como podem desenvolver as melhores habilidades com treino e reflexão sobre o sentido que estar ali tem em suas vidas.


Através de autoconhecimento emocional e psicológico os integrantes do Karasuno vão aos poucos amadurecendo suas características físicas, não apenas entre si, mas também com seus rivais de outras escolas. Não existem INIMIGOS em Haikyuu, apenas rivais que treinam juntos, conhecem as potencialidades e fraquezas uns dos outros e se motivam ao crescimento para que as partidas oficiais sejam disputadas ao máximo potencial de cada um em quadra, para que ninguém se sinta inferior, mas sabendo que o seu melhor naquele momento foi exposto não apenas para si, mas também direcionado ao adversário que merece receber o seu melhor.


Dentro do que é proposto, Haikyuu traz uma atmosfera realista de muitas visões da vida, principalmente sobre a capacidade humana de enfrentar o sofrimento, por mais doloroso que seja. A derrota é um fator sempre presente não apenas no imaginário como uma possibilidade, mas na concretude das ações e ter que lidar com a insuficiência é um dos planos mais bem elaborados da obra.


Nos muitos exemplos a serem citados, um dos que mais chamam a atenção é o de Tsukishima, um bloqueador do Karasuno que claramente vive em processo de dessacralização ao não atribuir valor a nada, mecanismo de defesa manifesto por uma situação que ocorreu com seu irmão e ídolo no passado. Ao sofrer uma decepção tão grande, Tsukishima simplesmente não se vê capaz de ver valor nas experiências da vida, já que – segundo sua visão – sempre vai se decepcionar, portanto nada vale a pena. Nem mesmo o vôlei parece lhe fazer sentido, dizendo que todas as sensações são efêmeras e que por não ser duradouro não vale a pena vibrar por suas conquistas.


O mecanismo de dessacralização traz uma apatia perigosa caso seja manifestado junto com alguns outros sintomas, principalmente ligados a transtornos depressivos, sendo um sinal de alerta inclusive para comportamento suicida e merece atenção especial em adolescentes.


É através da interação com o meio – com seus rivais – que Tsukishima vai tomando consciência das perdas experienciais que está tendo, nota a diferença no próprio desempenho e em como a sua falta de entrega ao momento presente lhe tira segundos preciosos de reação natural frente a prática que ESCOLHEU exercer.


Um processo despertado pelo externo, mas que encontra lugar para desabrochar em um incrível processo interno e reflexivo sobre como a atividade é de fato importante, sobre como as experiências daquele momento lhe fazem sentido e o dever ser está em completo desalinhamento com o ser atual. Ele estava em uma completa homeostase, ou seja, um equilíbrio que o levou a estagnação e nesse momento de despertar chega finalmente a um processo chamado na logoterapia e análise existencial de noodinâmica, a tensão necessário para que o ser seja motivado ao dever ser e a atingir potencialidades e realizar valores e sentido.


Este é só um dos inúmeros exemplos que podemos ver em Haikyuu, uma obra que se coloca inicialmente como “mais um anime de esportes”, mas que vai por outro caminho, pelo caminho do autoconhecimento para gerar mudanças reais no contexto do ser humano que está para além do atleta, no amadurecimento pessoal e junto aos grupos inseridos e na capacidade de se voltar para fora de si, reconhecer o externo por um processo maduro de diferenciação, se voltar para dentro para um mapeamento noético dos processos de autocompreensão, autoprojeção e autoregulação e exercer novamente a capacidade de se voltar para fora por uma nova diferenciação e entrega, agora com consciência da autotranscendência e das reais potencialidades que fazem sentido serem buscadas e realizadas.


Haikyuu é sobre vôlei, mas é mais do que isso, é sobre como os processos humanos de autodescoberta são importantes em qualquer tipo de situação, sobre como somos seres sociais e temos a necessidade de interagir com o meio e que, dentro dessa interação somos

capazes de descobrir sobre o outro, mas também sobre nós mesmos e crescer junto com o que nos rodeia.


É sobre competição sim, mas não uma competição predatória por uma vitória a todo custo, mas sobre o processo de crescimento que leva até vitórias muito mais existenciais do que inicialmente pensamos serem possível, sobre o processo de se tornar quem se é em uma busca incessante por ser melhor que eu mesmo e no caminho descobrir como fazer isso sem perder valores importantes e o que nos torna humanos, a capacidade de transcender através de um antagonismo psiconoético, ou seja, sermos mais do que somos para um ser existencial que realiza sentidos na vida.


Se tu não é muito chegado na parte existencial, indico pelas partidas que são muito emocionantes e pelo humor que se destaca. O importante é assistir os levantamentos do Kageyama para as cortadas insanas do Hinata. E o Rolling Thunder do Nishinoya, que é o mais importante no fim das contas.


Luiz Guedes é Psicólogo Clínico (CRP 07/30195) Especialista em Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica, Pós-Graduando em Logoterapia e Análise Existencial e Realiza abordagem integrativa entre Logoterapia e Análise do Comportamento, unindo questões existenciais ao caráter prático de mudança no mundo concreto. Criador da página Diário do Sentido, onde faz reflexões sobre existência e Sentido da vida a partir de cultura pop como animes, quadrinhos e séries.

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