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Big Little Lies – Sororidade feminina

por Carolina Luz de Souza - CRP 06/87499


Big Little Lies é uma minissérie da HBO baseada no livro de Liane Moriarty. A série foi ao ar em 2017 e recentemente ganhou mais uma temporada na mesma plataforma.


Na história, somos apresentadas a cinco mulheres bem diferentes que têm em comum o fato de serem mães de crianças que frequentam o mesmo colégio na pequena cidade de Monterey, na Califórnia. Cada uma delas leva uma vida que aparenta ser perfeita para as outras e todas escondem segredos. No primeiro episódio, elas estão levando seus filhos para a primeira aula do primeiro ano.


Somos apresentadas à Madeline, mãe de duas filhas, divorciada e recasada. Não frequentou a faculdade e é mãe em período integral. Sua melhor amiga, Celeste, é mãe de gêmeos. Linda e aparentemente com o casamento perfeito, é advogada mas largou a profissão para se dedicar totalmente aos filhos. As duas são melhores amigas também porque são mães em tempo integral e se distanciam das outras “mães que trabalham”.


Jane, aparece na cidade e é logo acolhida por Madeline por parecer frágil e necessitada. Madeline não consegue lidar com as mulheres fortes, mas não tem problemas em acolher aquelas que lhe parecem mais frágeis do que ela e, por isso, não a intimidam.


Ela não gosta de Renata, uma mulher bem-sucedida que veio de condição humilde mas hoje é uma rica mulher de negócios um tanto exagerada; e nem de Bonnie, nova esposa de seu ex-marido que tem uma personalidade muito mais branda do que Madeline e também tem uma profissão como professora de yoga.


O primeiro conflito que vemos é entre essas cinco mulheres, tendo como centro a personagem de Madeline. Ela aparece como aquela que diz quem é legal e quem não é, e imediatamente gostamos das personagens que ela gosta e rechaçamos as personagens que ela despreza.


Mas a medida em que a série avança, vamos percebendo que as coisas não são tão simples. Jane, a frágil, esconde uma grande revolta dentro de si que pode levá-la ao extremo da violência. Renata, a poderosa, quer ser incluída e se sente culpada por querer ter uma carreira além de ser mãe. Bonnie, a zen, guarda segredos difíceis de sua infância dos quais ela se protege com uma máscara de serenidade. Madeline, a forte, sente-se inferiorizada por não ter estudo ou carreira. E Celeste, a perfeita, passa por um relacionamento extremamente abusivo.


Aos poucos, cada uma das personagens vai entrando em contato com as dores das outras e humanizando a visão que tem delas. Vários papéis femininos entram em conflito em cada uma delas e percebemos que o que as separa é exatamente o que elas invejam na outra. Nenhuma delas está perfeitamente em paz com suas escolhas. A mãe, a esposa, a mulher de carreira, todas elas estão parcialmente insatisfeitas e infelizes. E muito disso se deve a uma pressão social sobre como deve ser ou se comportar uma mulher. Só no momento em que cada uma passa a refletir sobre as suas próprias escolhas e suas faltas é que podem se reconhecer em suas diferenças e semelhanças.


Para além da questão da rivalidade dos papéis femininos, temos outro assunto muito importante abordado na série: a violência de gênero.


Celeste vive um relacionamento abusivo com o marido, mas aos olhos do mundo eles têm um romance apaixonado. A série mostra como muitas vezes romantizamos o abuso entendendo o ciúme e o controle como prova de paixão.


Perry, marido de Celeste, é extremamente inseguro e quer a mulher só para ele. Ele a aliena de seu trabalho, da família, das amigas. Fica enfurecido quando ela resolve voltar a advogar para ajudar Madeline ou quando ela não está em casa para recebê-lo. Suas agressões começam mais sutis, com gritos e apertões no braço mas a violência vai escalando rapidamente.


A série faz um ótimo trabalho em mostrar o ciclo da violência que parte de um momento em que tudo está bem para o aumento da tensão, os episódios de violência, a culpa e o pedido de desculpas que trazem uma fase de lua de mel antes que o ciclo recomece.


Vemos como Celeste fica presa a este ciclo, primeiramente porque não se reconhece vítima de violência. Ela, uma mulher rica e bem-educada, advogada, não pode estar passando por isso. É somente na terapia que ela vai reconhecendo, com muita resistência, seu lugar de vítima. Ao mesmo tempo, ela ama o marido e sabe que ele não é violento o tempo inteiro. Eles têm seus momentos de lua de mel, o que torna tudo mais difícil de enfrentar. Nesses momentos, ela se sente forte e poderosa porque ele faz tudo o que ela quer, no intuito de se desculpar. Mas quando as agressões acontecem, ele é que fica com o poder e ela, totalmente impotente.


Somente a medida em que a violência vai ficando mais pronunciada a ponto dela temer pela própria vida é que Celeste começa a pensar realmente em se separar. Principalmente porque ela descobre que um de seus filhos está batendo em uma menina na escola, repetindo o comportamento violento do pai.


É importante esclarecer que a violência é um fenômeno que pode atingir qualquer mulher em um dado momento. Na maior parte das vezes, é difícil reconhecer e agir, como aconteceu com Celeste. Foi nas amigas que ela encontrou acolhimento e ajuda, mas só muito tarde ela confessou o que acontecia com vergonha de revelar seu lado mais frágil e perder a autoridade junto a elas. Mas foi apenas quando contou para as amigas e para a terapeuta que ela pôde obter a ajuda de que necessitava. Cada uma delas entende que necessita da outra e que o que as une é muito mais profundo do que o que as separa.


Carolina Luz de Souza (CRP 06/87499) é psicóloga junguiana e perinatal e mestre em Psicologia Clínica. Atende mulheres, gestantes e crianças presencialmente em Campinas e também de forma online para todo o Brasil e o exterior. É apaixonada por séries e atualmente está trabalhando em sua monografia sobre O conto da aia e a sociedade brasileira. Acompanhe seu trabalho em:

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