Por Amanda Marques de Azevedo e Souza e Josiane da Silva Becker.
A série sueca Areia Movediça, mostra o julgamento de Maria Norberg em relação ao massacre acontecido em sua escola e pouco a pouco mostra os desdobramentos que levaram até o fato. Apenas no último capítulo descobrimos se Maja (apelido) tem culpa ou não, mas desde o início sabemos que seu namorado, Sebastian, tem responsabilidade. Por esse motivo, tomaremos cuidado para não contar o final da série, que vale muito a pena ser assistida.
Apesar de ser uma série extremamente densa, a mesma tomou cuidado para apresentar os fatos pouco a pouco, minimizando o impacto dos fatos no telespectador, e o preparando e sensibilizando para o que está por vir. Nesse artigo, discutiremos os fatores que contribuíram para que Sebastian realizasse o massacre de acordo com a literatura na área.
Maja e Sebastian se conheciam desde a infância, mas apenas na adolescência se envolveram romanticamente. No começo tudo parece como um conto de fadas: riqueza, férias e festas luxuosas, mas já no primeiro capítulo o pai de Sebastian coloca Maja na posição de “salvadora” do filho, pois esse precisa tomar jeito, e afirma não entender o que Maja viu em Sebastian.
Na janta em família, o pai não gosta de ter sido trazido à tona seu ex-relacionamento com a mãe de Sebastian e diz que o filho puxou a ela, o que mais tarde piora ao ele afirmar que a mesma era desprezível. Sebastian confessa para Maja que seu pai deu um jeito de sumir com a mãe dele e relembra que seu pai disse a seguinte frase “nossa família não põe o lixo para fora, pagamos alguém que faça isso por nós”.
E porque estamos falando de tudo isso? Pois quando se trata de autores de massacres em escolas muitos têm histórico familiar complicado (VERLINDEN et al, 2000; LIMA, 2009; Flannery, Modzeleski, 2013). Ainda sobre o pai de Sebastian, esse era extremamente arrogante e desvalorizava o filho repetidas vezes, o chamando de inútil, afirmando não esperar grandes coisas dele, o humilhando frente a amigos, entre outras coisas.
Esse pai, pode ter contribuído para a baixa auto-estima em Sebastian, que tentava compensar buscando grandiosidade dentro de seu meio social, realizando festas de grandes proporções.
Alguns estudos sobre atiradores em escolas afirmam que muitos dos autores sofrem de problemas de auto-estima e buscam afirmação de sua identidade e da masculinidade através da realização dos massacres.(MADFIS,2016; RODRIGUES, 2017; VOSEKUIL,2002). Sebastian também preenche o perfil de ser extremamente intolerante com aqueles que são diferentes dele, em seu caso, os imigrantes, o que é comum em casos similares.(FLANNERY, MODZELESKI, KRETSCHMAR 2013)
Com o tempo, Sebastian começou a abusar das drogas e alterar seu comportamento, afastando todos ao seu redor, exceto Maja, que tentava ajudá-lo mesmo sofrendo diversos tipos de violência advindas de Sebastian, pois muitos tinham a expectativa de que ela o ajudasse. Com o tempo todos se afastaram de Maja e Sebastian, pois consideravam insuportável a convivência com Sebastian. Todos os fatores citados à cima, como uso de substâncias e o isolamento social foram encontrados em quem cometeu esse tipo de crime. (MADFIS,2016;VOSEKUIL 2002;LIMA,2009).
As coisas ficaram tão sérias que Sebastian se deprimiu e chegou a tentar suicídio. Maja se sentiu culpada e foi a única a dar atenção ao namorado, nem sua própria família a ajudou nesse momento, nem a família de Sebastian que estava em um cruzeiro e nem o visitou no hospital. A depressão, a tentativa de suicídio prévia e o desejo de morrer é outro fator de risco para massacres em escolas (VOSEKUILl, 2002, in: BONNANO, LEVENSON, 2014;PRETI, 2008, AUXEMERY, 2015). Em muitos dos casos, quem planeja esse tipo de crime tem tendências suicidas, pois costumam planejar morrer ao final, seja por um tiro advindo deles próprios, ou da polícia por exemplo, no caso da série, Sebastian de certa maneira se suicidou, pois exigiu que Maja atirasse nele.
Outras questões que culminaram no fato se relacionam ao baixo rendimento escolar de Sebastian e sua pouca integração com a escola (PRETI, 2008), já no primeiro episódio Sebastian aparece chegando atrasado. A escola não deu a devida atenção ao que estava acontecendo, jamais chamando os pais de Maja e Sebastian para uma conversa mais séria, pois Maja que era uma ótima aluna também começou a declinar nas notas e matar aulas para cuidar se Sebastian. O professor, que acabou sendo vítima do massacre, tentou ajudá-los, mas não chamou por nenhum adulto responsável e os adolescentes não estavam se dando conta da gravidade da situação, não buscando por ajuda adulta como é comum acontecer em casos que terminam em massacres em escolas (PRETI, 2008)
Sebastian em diversos momentos crê que merece tratamento especial e que não está ganhando o que deveria, assim como exige de Maja extrema atenção e manifesta posse em relação a ela, sempre tentando impressioná-la e impressionar os outros a seu redor. Pode-se observar que Sebastian não tinha limites, não tinha habilidade para resolver problemas, nem lidar com sua raiva, assim como citado em biografias que referem baixa habilidade de cooping, baixa tolerância a frustração e sinais de narcisismo como sinais que merecem atenção no caso de autores de massacres escolares (HAENEY;ASH;GALLETLY,2018).
Apesar da Suécia ser um país com forte cultura de caça e armas, nota-se que Sebastian tem um gosto maior que o normal comparado a outros por armas, característica encontrada em atiradores de escola. (FLANNERY, MODZELESKI, KRETSCHMAR 2013)
Talvez o ato final do massacre tenha sido resultado pelo abuso de substâncias, pela depressão e ideação suicida do personagem, assim como seu desejo de possuir um lugar no Outro(GURSKI,2010), deixando assim seu papel de insignificante colocado por seu pai e por outros para trás. Há também um desejo de expressar raiva e de se vingar expressos no ato de Sebastian.
Embora se saiba que diversos fatores internos e externos contribuem para o acontecimento de massacres em escolas e que nem sempre se pode evitar tais acontecimentos, o desenrolar da série ao focar em aspectos emocionais, sociais e familiares de Sebastian acena para a importância de um olhar atento às angústias, sofrimentos e comportamentos de risco do personagem, que foram deixadas de lado ou não encaradas com atenção por aqueles que o cercavam e poderiam ajudar.
Neste aspecto, podemos dizer como psicólogas que a principal reflexão a ser feita é sobre esta série diz respeito a ajuda que os adolescentes poderiam ter recebido caso algum adulto de seu meio familiar, escolar ou profissionais de saúde mental tivessem intervido enquanto havia tempo. Também percebemos os impactos dos diferentes tipos de abuso sofridos na vida de cada um dos personagens, o que chama atenção para a conexão existente entre os abusos e outros atos de violência.
Josiane da Silva Becker é psicóloga, CRP 07/30390, é pós graduanda em Psicologia Forense e em Psicodiagnóstico.Atualmente faz parte do grupo de Estudos de Psicologia Jurídica da Expertise-Psicologia. Atende em consultório particular em Porto Alegre/RS fornecendo serviços de Psicologia forense, psicoterapia, psicodiagnóstico e avaliação psicológica. Acompanhe seu trabalho pelo facebook
Amanda Marques de Azevedo e Souza, psicóloga (CRP-07/30375), é pós-graduanda em avaliação psicológica e psicodiagnóstico, atendendo nessa área e também em psicoterapia, perícia e assistência técnica. Atualmente participa de um grupo de estudos em psicologia jurídica da Expertise Psicologia.
Acompanhe seu trabalho pelo facebook: https://www.facebook.com/amandamarquesdeazevedoesouza/
REFERÊNCIAS:
AUXEMERY, Yann. The mass murderer history: Modern classifications, sociodemographic and psychopathological characteristics, suicidal dimensions, and media contagion of mass murders,2015.Disponível em:<https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0010440X14002545>
BONANNO, Caitllin; LEVENSON, Richard. School Shooters:History, Current Theoretical and Empirical Findings, and Strategies for Prevention, 2014.Disponível em:<https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/2158244014525425>
FLANNERY, Daniel; MODZELESKI, William; KRETSCHMAR, Jess. Violence and School Shootings. IN:Curr Psychiatry Rep ,2013.
GURSKI, Roselane. Massacres Juvenis e Paixão pelo Real: O império do sentido e a discussão sobre os impasses do adolescer na atualidade. Psicologia Política, v. 10 nº19, 2010 Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-549X2010000100011>
HAENEY, Owen; ASH, David; Galletly, Cherrie. School Shootings-It wouldn’t happen here?IN:Australian and New Zealand Journal of Psychiatry, vol.52.p405-407, 2018.
LIMA, Raymundo de. Massacre nas escolas. Revista Espaço acadêmico, nº 96. 2009. ISNN 1519.6186
MADFIS, Eric. In Search of meaning:Are School Rampage Shootings Random and Senseless Violence?IN: The Journal of Psychology vol.0,2006.Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1080/00223980.2016.1196161>
PRETI, Antonio. School Shootings as a Culturally enforced Way of Expressing Suicidal Hostile Intentions. IN:The Journal of American Academy of Psychiatry and the Law, vol. 36 n4, 2008.
ROGRIGUES, Tiago Hiara. Mídias participativas e violências extremas: uma etnografia on-line dos tiroteios em escolas. Revista Brasileira de ciências sociais, vol. 32, nº 94, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092017000200703>
VERLINDEN et al. Risk Factors in School Shootings.IN: Clinical Psychology Review, 2000.
VOSSEKUIL, Bryan et al.. The final report and findings of the Safe School Initiative: implications for the prevention of school attacks in the United States. Washington, DC: US
Department of education, National threat assessment center; 2002.Disponível em:<https://www2.ed.gov/admins/lead/safety/preventingattacksreport.pdf>
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