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“A série Lúcifer somos nós”

Por Tatiana Torquato Lima, CRP: 06/151299


Antes de mais nada, gostaria de dizer que esta série é um convite para olhar para dentro de nós mesmos.


Para quem assistiu a série Lúcifer, com certeza pegou-se afeiçoado(a) a ele em algum momento, principalmente no decorrer dos capítulos apresentados. Nos identificamos com o personagem porque ele traz uma certa graça em suas falas e por vermos suas questões humanas de vulnerabilidade e não mais como aquele pintado no imaginário popular, além de ser um “homem transformado para melhor” (muitos relacionamentos reais fantasiam com isso), acabamos por nos encantar por ele.


Na série vemos um Lúcifer que vai além da personificação do mal, mostrando um eu vulnerável que tenta compreender a si mesmo através de análise com a Dra Linda e durante as investigações com a Detetive Decker, ele também é cheio de traumas de família e vive um amor transcendental.


Iniciemos falando sobre um mecanismo de defesa inconsciente do ser humano, chamado projeção, “este mecanismo refere a como se olhássemos a nós mesmos no espelho”, ou seja, projetamos nos outros a nossa imagem, sejam boas ou ruins. Com as boas, idealizamos o outro, facilitando empatia e contato nas nossas relações de modo geral, já com as que consideramos ruins julgamos o outro, acreditando que tal coisa só pertence a ele.


Projetamos muitas de nossas ações e emoções como ruins, “obra do capeta” ou “pecado”. O que não enxergamos muitas vezes é que nós enquanto seres humanos temos o diabinho (lembrando que este também é um anjo) e o anjinho dentro de nós. São conhecidos dentro da psicanálise como Id e Superego consecutivamente, sendo nós o Ego (analogia aos desenhos animados – Id, Ego e Superego). Vou explicar-lhes melhor!


O Id é todo desejo, libido e vontades existentes dentro de nós. O Superego são todas as regras e normas que acreditamos e seguimos. E nós somos o Ego. Somos nós que equilibramos a vida para não sair fazendo tudo que dá vontade e não nos reprimirmos o tempo inteiro. Portanto, dentro de nós existem todos os desejos e vontades inimagináveis sem repressão, bem como regrar-se ao máximo para não fazê-los. Assim, adaptarmo-nos ao meio, nos equilibrando entre o Id e o Superego.


Mas vamos com calma, não estou falando que nunca devemos projetar, ou que nunca devemos reprimir. Não, não é isso! Até porque, como já falei, faz parte do processo de ser humano. Quero portanto, que foque na importância do autoconhecimento para aprender a lidar melhor com as coisas e agir menos no automático, tendo mais consciência de si.


Não tendo a percepção e aceitação desse eu dicotômico, não nos permitimos perdoar a nós mesmos por algumas de nossas ações, não nos permitimos também olhar com maior empatia para os outros e por fim, não nos permitimos nos responsabilizarmos muitas vezes por nossos atos pelo fato de não vemos todas essas questões.


Outro ponto interessante a destacar na série é que o inferno é um local em que as pessoas têm como punição reviverem pela eternidade a maior culpa que carregam dentro de si. O próprio Lúcifer menciona na série que os portões do inferno não são trancados, mas ninguém nunca conseguiu sair de lá porque as pessoas se punem sozinhas. A analogia interessante da série é que fazemos da nossa vida um inferno com relação às nossas culpas.


O problema é que a culpa por si só não traz mudança de nada e em muitos casos nem alívio, pelo contrário, é a punição em si e para si. Repensemos então, o que podemos fazer com relação às nossas culpas, e o que podemos fazer por nós, inclusive. Mas calma, ter um pouco de obsessão e neurose não tem nenhum problema, todos os temos, o problema é quando isso está te maltratando demais e até te adoecendo. Portanto, cuide de você!


Segundo a série, “Deus enviou o filho Lúcifer para o inferno como guardião daquelas almas perdidas”. O personagem acredita ser uma punição de seu pai por ser um filho rebelde e, então, assume o papel de detentor da justiça e responsável por castigar da forma que acredita merecerem, segundo seu juízo de valor, àqueles que devem ser punidos. Inclusive, ele mesmo se pune e se boicota em vários momentos por acreditar não merecer o amor ou ser feliz. Aqui, podemos notar mais um retrato da vida real na arte, desde as atitudes consigo mesmo quanto por nos sentirmos juízes com relação a vida dos outros.

Uma coisa que o deixa chateado é que a humanidade coloca a culpa de seus erros e más escolhas, nele. O tempo inteiro essa obra de arte da NetFlix, mostra das responsabilidades que temos por nossas escolhas. Elas são possíveis de observar, por exemplo, quando Lúcifer tem poucos poderes, dentre eles, apenas descobrir qual o maior desejo das pessoas. Muitas vezes projetamos nos outros, na astrologia e nas divindades a responsabilização de nossos comportamentos. Porém, quanto mais autoconhecimento tivermos mais perceberemos que nossos comportamentos estão ligados a nossa história de vida e de como lidamos com tais coisas. Te garanto que é surpreendente o que pode descobrir sobre si e seus padrões de comportamentos e o porquê deles.


Outra analogia importante que podemos fazer entre a vida real e a série é que Lúcifer desvenda os desejos, enquanto que seu irmão gêmeo desvenda os medos das pessoas. Ou seja, colocá-los como gêmeos é mostrar que esta semelhança não é mera coincidência, pois mesmo sendo o desejo e o medo um tanto antagônicos entre si, são faces da mesma moeda quando um depende do outro para que aconteça ou não a realização dos desejos, mas com uma certa cautela e assim, nos adaptarmos ao meio.


Tendemos ao controle? É notório que quando o protagonista abre mão do controle, ele experimenta situações que não eram possíveis quando se boicotava, ou não se permitia vulnerabilizar ou ao menos entender-se melhor. Como já dizia Graça Reis em seu livro - O encontro amoroso e outros encontros: reflexões sobre amor, liberdade e capitalismo: “qualquer amor já é um pouquinho de saúde; um descanso na loucura”. Como já mencionado anteriormente, Lúcifer vive um amor transcendental; este por sua vez, é o que o salva de si mesmo, percebendo que só poderá viver o amor de forma genuína se se permitir ficar mais vulnerável e enfrentar seus medos.


É, parece que a arte imita a vida e vida imita a arte, não é mesmo? O nosso personagem principal tem uma característica que nota-se no primeiro olhar, pois é muito fácil de identificar. O vemos agindo pelo prisma do “eu” em vários capítulos, inclusive, algumas cenas são bem engraçadas.

E para finalizar, gostaria de dizer que a questão não está em não sentirmos as vontades e emoções, mas sim em aprender a lidar com elas. A série Lúcifer nos ajuda a refletir da responsabilidade que temos em nossas escolhas, da importância de olhar para dentro de nós para sabermos o que estamos sentindo e o porquê e então, termos maior autonomia sobre nós mesmos.



Tatiana Torquato Lima é Psicóloga Clínica, residente em São Paulo, mas realiza atendimentos online, podendo atender adultos que residem em outras localidades geográficas. Possui Formação em Saúde e Educação Sexual e Curso em Terapia

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