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Turma do Peito (The Letdown): quando puerpério e maternidade real chegam ao Netflix

Por Nicole Cristino, CRP 08/23054


Lançada pela Netflix em Abril deste ano, a série australiana Turma do Peito (The Letdown), retrata de forma realista e sem máscaras as aventuras atravessadas por uma mãe no auge do seu puerpério - período de adaptações emocionais e físicas do pós-parto. A trama retrata a vida de Audrey, mãe de uma bebê de dois meses que, no auge de suas angústias puerperais vai à procura de suporte emocional em um grupo de apoio para pais. Ao chegar, Audrey se depara com pais que, aparentemente, estão lidando melhor que ela com os desafios da maternidade. Os dramas tragicômicos vividos pela personagem, revelam ao espectador que a maternidade está longe de ser aquele mar de rosas romantizado que estamos habituados a idealizar.


O enredo leva o espectador a identificar-se com as questões existenciais atravessadas por uma mulher que está atravessando o pós-parto. Tais como os desafios de lidar com os palpites disfarçados de conselhos, a dificuldade em reconhecer-se diante das novas responsabilidades, do novo corpo e dos novos papéis. Os dilemas atravessados por Audrey representam a realidade de uma enorme parcela de mulheres quando se deparam com a maternidade: o desejo de retomar a vida profissional, a reinvenção da vida sexual do casal, as mudanças físicas, a delicada relação com os pais e sogros que passam ao papel de avós.


Típica mulher moderna, Audrey sempre foi focada em suas escolhas de vida, projetos individuais e em sua realização pessoal. A chegada de sua filha e da maternidade a desorganiza emocionalmente a ponto de apresentar grandes dificuldades em assumir e se reconhecer no papel de mãe, o que a conduz a um processo muito comum às mulheres no pós-parto: o do resgate da sua relação com sua própria mãe. Questões muito antigas de sua historia enquanto filha vêm à tona, e Audrey as revisita num processo interessante de construção de sua própria maternidade.


Seu marido, Jeremy, está sempre envolvido demais com o trabalho, mostrando a existência de um mecanismo muito comum aos homens diante da paternidade: a fuga ao trabalho como recurso psíquico, num misto de conveniência e mecanismo de defesa. Juntos o casal busca desde aplicar métodos infalíveis para fazer o bebê dormir a noite toda a adaptar suas vidas sexuais a realidade pouco favorável do pós-parto.


Os encontros do grupo terapêutico que participa Audrey são um prato cheio para os profissionais da perinatalidade ou apaixonados pela área: as personagens dividem nesse espaço, sempre num tom de comédia e de drama, suas vivências em relação ao parto, a maternidade, maternagem e criação de filhos. Temas como intervenções obstétricas, parto humanizado, intercorrências e cesarianas surgem e trazem ao espectador um misto de diversão e informação. A série também aproveita o momento para falar dos movimentos extremistas e alfineta a ditadura da amamentação e os julgamentos tão comuns entre mães no que tange a velha rivalidade peito x mamadeira.


Ao retratar a privação de sono, as dificuldades na amamentação, a importância de uma rede de apoio, os impactos da chegada do bebê nas relações conjugais, familiares e sociais- a série de 7 episódios cumpre um importante papel social e psicológico: o de desromantizar a vivência da maternidade enquanto sinônimo de plenitude e trazer informação ao grande publico. No entanto a desromantizaçao da maternidade não quer dizer que tudo seja pesado e difícil. A personagem mostra em sua vivência que o puerpério é um período de ambivalências, e que para além das questões emocionais e existenciais a aposta na maternidade vale o sufoco dos primeiros meses. A ponto de, se descobrirem grávidos novamente ao fim da temporada.



Nicole Cristino é psicóloga, CRP 08/23054. Trabalha na área clínica e perinatal em Curitiba/PR e em atendimentos online. Acompanhe seu trabalho em:

https://www.facebook.com/acolhedoramente/

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