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Tower of God – A escalada da torre e a busca de autoconhecimento

Atualizado: 7 de ago. de 2020

por Luiz Guedes - CRP07/30195


Tower of God é originalmente um webtoon, um quadrinho coreano que recentemente teve sua primeira temporada adaptada para anime como um original da Crunchyroll, a “netflix” dos animes. A história tem uma base simples, mas tal base se expande em inúmeros caminhos que trazem inúmeras possibilidades de busca existencial para cada um de seus personagens, principalmente para o protagonista, Vigésimo Quinto Baam, um menino que viveu sua vida inteira isolado. Neste texto falarei um pouco dessas buscas durante os 13 primeiros episódios da primeira temporada, já finalizada, enquanto aguardamos ansiosamente a adaptação da segunda e terceira, ambas bem maiores que a primeira.


A história se inicia contanto o conceito da Torre de Deus, um lugar onde os escolhidos adentram e realizam testes para ir subindo a cada andar, os que chegam ao topo têm seus sonhos e desejos realizados. O conceito de andar aqui é diferenciado, cada um deles é como se fosse um mundo diferente, vasto e cheio de diversidade geográfica, de fauna e flora. Para passar de um andar para o outro – e até mesmo para receber a autorização para começar a subir a torre – é necessário passar em testes dos mais variados, alguns são simples e outros mais complexos e violentos, porém todos levam em conta uma coisa: O que a torre como entidade precisa neste momento? Os guardiões da torre aprovam o que a torre como sistema precisa. Precisa de manutenção do status? Então aprovamos candidatos que seguem tal ideologia. Precisa de revolução? Então aprovamos os que vão virar a torre de pernas para o ar. A Torre parece uma entidade consciente, e isso faz toda a diferença.


Baam por outro lado não era um ser consciente de si mesmo, ele viveu a vida inteira dentro de uma caverna escura sem contato com ninguém, não é dito como sobreviveu, como se alimentava e nem como não enlouqueceu ao isolamento extremo, apenas que um dia quando tentava sair de lá o teto se quebrou e uma menina de cabelos dourados chamada Rachel o encontrou e passou a ocupar o ponto central de sua vida. Rachel o visitava com frequência – mas não o tirava de lá – e ensinava sobre o mundo para ele, inclusive sobre o seu sonho de subir a torre para ver as estrelas. Baam passou a existir como uma extensão de Rachel e a idolatrar a única pessoa que conhecia, uma espécie de amor obsessivo por um objeto externo que lhe dava Sentido. Um falso Sentido.

Rachel fez o que disse que faria, resolve subir a torre e Baam fica para trás por não ser um dos escolhidos, porém seu sentimento de abandono é tão grande e seu desespero é tão profundo que ele força sua passagem e abre a porta da torre, se tornando um Irregular, como são conhecidos os que entram na torre sem ser escolhidos. Neste ponto sua vida muda de maneira transcendental. Baam conhece outras pessoas, seu mundo deixa de ser unicamente a Rachel e as vivências com novos seres lhe abrem novas possibilidades para realização de quem ele é, de reconhecimento perante suas próprias capacidades de interação com o mundo novo que se abriu diante de seus olhos, de realização de valores e Sentido a partir da utilização de uma liberdade responsável que ele jamais havia cogitado ter. Baam percebe – claro que aos poucos – que Rachel não era o que lhe definia como pessoa, assim como também percebe que não são seus novos amigos que assim o farão.

A partir do entendimento de que ele mesmo deve definir quem é e a partir de suas experiências construir uma essência congruente com o que quer vir a ser é que Baam pode ir se libertando das amarras que o tornavam o “Baam da Rachel” para se tornar o “Baam do Baam” e estabelecer limites para o que aceitará da vida. Baam não é apenas reativo quando tem o insight de que pode demonstrar valores de atitude perante o sofrimento inevitável, ele passa a ser proativo na estruturação da realidade que se encontra. Com suas ações passa a influenciar diretamente o que ocorre no meio o qual está inserido e assim pode encontrar mais do que é nesse momento, mas se tornar quem de fato QUER SER e DEVE SER.

A busca de Baam o faz adentrar caminhos sombrios de sua mente, assim como faz ver a face de um mundo que não é tão gentil, que não lhe é acolhedor, mas ao mesmo tempo esse vislumbre lhe mostra que o ato de sofrer com Sentido é fundamental no amadurecimento existencial, bem como na manutenção de um repertório de ação para a vida como um todo. A vida não é apenas sofrimento, mas também o é. Buscar quem somos é uma trilha de múltiplas idas e vindas, de realização de valores importantes para cada um, de avanços e retrocessos por tais trilhas e que desgasta nossa motivação inúmeras vezes, mas não existe uma alternativa fácil para o autoconhecimento, é preciso passar pelos testes para subir a nossa própria torre.

A primeira temporada de Tower of God não é marcada por uma escalada de poderes cósmicos e fenomenais, não é marcada por seres que lutam para ficarem fisicamente fortes e dobrar o mundo ao seu redor. Ela é sobre um menino fragilizado que aprende pouco a pouco sobre si mesmo, sobre como o mundo é refletido pelo seu olhar e sobre como seu fortalecimento existencial é capaz de fortalecer os que estão a sua volta, descobrindo Sentido com suas interações através de valores vivenciais, modificando o mundo com seus valores criativos e tornando seu sofrimento inevitável em um triunfo humano a conseguir transcender a eles através dos valores de atitude, valores esses apresentados pela Logoterapia de Viktor Frankl.

Tower of God é sobre Vigésimo Quinto Baam se tornando um ser único e irrepetível. Suba a torre com Baam para descobrir até onde ele vai, mas mais importante: Suba a própria torre para se encontrar no topo dela, não importando o quão penosa seja a escalada, ser quem se deve ser sempre vale a pena.


Luiz Guedes é Psicólogo Clínico (CRP 07/30195) Especialista em Psicologia Existencial Humanista e Fenomenológica, Pós-Graduando em Logoterapia e Análise Existencial e Realiza abordagem integrativa entre Logoterapia e Análise do Comportamento, unindo questões existenciais ao caráter prático de mudança no mundo concreto. Criador da página Diário do Sentido, onde faz reflexões sobre existência e Sentido da vida a partir de cultura pop como animes, quadrinhos e séries.

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