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Atypical: A dor e a beleza da juventude diante do Transtorno do espectro autista

Atualizado: 4 de set. de 2020

por José Roberto Lopes - CRP 07/31387


"Eu sou esquisito, é o que todos dizem. Às vezes não entendo o que outros querem dizer e acabo me sentindo só, mesmo com outros ao meu redor. Só consigo me sentar e mexer os dedos, que é o meu comportamento auto-estimulante. Eu bato uma caneta em um elástico em determinada frequência e penso no que nunca poderei fazer, como pesquisar pinguins na Antártida ou ter uma namorada. Eu não sei, eu gostaria de ir a Antártida, lá é silencioso..."

- Sam Gardner, primeiro episódio da primeira temporada de Atypical


O relato de Sam condiz muito com a realidade de inúmeros jovens que se encontram dentro do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Sam mora com seu pai, mãe e irmã mais nova - essa também adolescente -, mas diferente deles, Sam é um jovem autista de alta funcionalidade. Isso faz com que ele consiga ser prático e funcional em muitos âmbitos de sua vida. Por exemplo, ele têm boas notas na escola, usa o transporte público sozinho, tem um trabalho como vendedor em uma loja de eletrônicos depois da escola, etc. Nesse trabalho ele conheceu Zahid, que junto de sua irmã, são seus melhores amigos e conselheiros quanto à vida adolescente.


Mesmo eficiente em suas responsabilidades, as dificuldades que cercam o TEA são, em muitos momentos, obstáculos para Sam. Ele constantemente se questiona sobre comportamentos humanos comuns, como pequenas mentiras e exceções a regras pré-estabelecidas, considerados comportamentos controversos que permitem que os relacionamentos humanos perdurem. Em seu caderno, ele anota tudo que aprende sobre o ser humano e suas relações No mesmo caderno, desenha sobre sua principal paixão: A Antártida e seus animais. Além disso, assim como muitos TEA, Sam tem muita dificuldade de lidar com sons altos e irritantes e, quando nervoso, executa comportamentos repetitivos, como falar o nome dos tipos de pinguins residentes na Antártida até se acalmar.


A vida de Sam possui uma rotina, muito organizada pela sua família que, desde cedo, fez o chamado “ideal” para o tratamento de TEA: intervenção precoce com psicoterapia e outros profissionais da saúde que possam ser necessários em estágios iniciais da vida. A mãe de Sam dedica muito de sua vida para ele, sabendo todas as suas necessidades de cor e salteado. Seu pai trabalha como paramédico e mesmo fora de casa grande parte do dia, conhece bem sobre a condição de Sam, chegando a ensinar outros socorristas sobre o manejo do espectro autista em sua profissão. Na outra ponta, Sam está se tornando um jovem que quer se distanciar dos pais para conhecer mais sobre si mesmo e outros como ele, como é esperado de um adolescente. Na adolescência, ocorrem muitas mudanças que podem ser mais desafiadoras para um autista: as relações interpessoais ganham um destaque maior, como ser convidado para festas e saídas, buscar por uma namorada, iniciar na vida sexual, entre outros. Estes desejos de Sam são vistos por seus pais com uma mistura de incentivos, por parte do pai e superproteção, por parte da mãe, que abraçou a causa autista em demasia.


Todas as mudanças são desafiadoras para um autista. As certezas e uma rotina são necessárias, pois ajudam a esclarecer e se organizar, ainda mais nesse estágio da vida de Sam, que vai passar por mudanças. Essas novidades são calculadas e decididas por ele mesmo de forma muito racional, o que ajuda a aprender mais e crescer como ser humano, mas também pode gerar decepções. Sam vai aprendendo que o ser humano é mutável, que um mesmo comportamento ou atitude não funciona para todos, e que as emoções alheias importam e se manifestam de maneiras diferentes. Ele também descobre sobre a singularidade de cada ser como uma pessoa comum, se machucando e machucando outros, ficando feliz, triste e lidando com tudo isso. Com o tempo, fica mais fácil para ele conseguir empatizar e se colocar no lugar do outro, entender novas perspectivas e emoções com as quais ele nunca havia se deparado.


É bonito ver o descobrimento do mundo adolescente pela ótica de Sam, a forma como ele explica seus pensamentos, como ele toma cada decisão, como cada aprendizado chega até ele. Sam deseja ser um “adolescente normal”, em suas palavras, fazer o que todo mundo quer fazer, ter mais amigos, namorar, ter uma vida sexual ativa, ter um diploma, um trabalho, uma família, uma vida independente, ou seja, fazer o que consta no padrão.


Como dito no início desse texto, se a adolescência já é um período conturbado para pessoas comuns, i para um jovem autista será ainda pior. Ele precisará lutar contra dados de realidade, contra uma imensidade de sintomas que farão parte de sua identidade por toda sua vida e contra diversos tipos de preconceitos. Esse adolescente deverá manter-se aberto para aprendizados a fim de atingir seus objetivos,conhecer novas pessoas, crescer de maneira geral e ainda ensinando ao Outro sobre seu funcionamento cognitivo e social em uma jornada leve, divertida e educativa.


Seja bem-vindo a Atypical, série em que Sam nos mostra que, mesmo diferentes, muitos de nós já pensamos em nos esconder da vida, em um continente silencioso e isolado, quando tudo parece muito imenso para lidarmos O personagem nos inspira a perceber que com força de vontade, podemos evoluir como seres humanos, aprender uns com os outros, entender como cada sistema funciona e que, quando bem acompanhados, podemos ir mais longe do que qualquer manual de diagnóstico já nos disse.


Quer mais? Assista nossa live sobre a série em


José Roberto Lopes é psicólogo clínico (CRP07/31387), atuando com avaliação psicológica e educação em saúde mental através de cursos e eventos. É também auxiliar de pesquisa voluntário em GNCE - Grupo Neuropsicologia Clínico - Experimental e Escolar (PUC-RS) e responsável pelo setor de avaliação psicológica da espaço Respectus (Porto Alegre- RS).

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