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The Sinner: A Dissociação da Consciência por uma vida de Culpa

por Patrícia Atanes de Jesus, CRP 06/37052

"Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você vai chamá-lo de destino."Carl Gustav Jung.


Você já parou para pensar sobre o que você realmente sabe a respeito de você mesmo? O quanto as coisas que você pensa ou sente são realmente conscientes?


Baseado no best-seller homônimo de Petra Hammesfahr, a série de suspense “The Sinner” traz uma trama instigante e recheada de vários meandros psicológicos.


O drama “The Sinner” narra a história da personagem central, a jovem Cora (Jessica Biel), uma mulher comum, de cotidiano normal e dona de um olhar vago e triste. Cora é casada, tem um filho e ajuda o marido num negócio modesto da família, mas numa bela manhã durante um passeio de domingo na praia, tudo muda. Cora durante um ataque de fúria inexplicável e incontrolável, esfaqueia um jovem médico. Após o ato de violência assustador, ela é presa e assume imediatamente a culpa. Durante a investigação seus depoimentos são muito resumidos, rápidos e sem muito contexto. Ela se declara culpada, porém não sabe explicar por que cometeu esse crime.


A premissa de “The Sinner” é exatamente o fato de que desde o inicio se sabe quem é o assassino, mas, não se conhece a motivação para esse crime tão violento.


O Ato de Cora parece, a princípio, ser consequência de um rompante, um comportamento inexplicável, um momento de descontrole emocional. Ela confessa e recebe pena de prisão perpetua, até que o investigador Harry Ambrose (Bill Pullman) encarregado pelo caso, insiste em descobrir o que está por trás deste assassinato. Cada vez mais obcecado pelo caso de Cora, Ambrose busca de todas as formas alcançar o que está escondido nas profundezas do inconsciente da jovem e acaba descobrindo segredos adormecidos que a mente de Cora vem tentando manter longe da consciência, do alcance das suas lembranças.


A trama “The Sinner” não pode ser analisada como um simples thriller investigativo. Na realidade a série é um drama policial psicológico em que profundos segredos da protagonista Cora estão imersos e encobertos em seus traumas do passado e motivados por questões inconscientes. Durante os 8 episódios da 1ª temporada da trama, somos levados a prestar muita atenção nos vários flashbacks que constantemente aparecem para ir conhecendo aos poucos esse passado de Cora e os segredos que ele encobre. Vamos, então, entendendo como esse passado pode estar inconscientemente ligado a motivação para o assassinato.


O inconsciente é um mundo desconhecido, cheio de encantos e que nos leva a pensar sobre nossas próprias questões psicológicas. O que sabemos a respeito de nós mesmos? O que temos de consciência em relação às coisas que fazemos, pensamos ou sentimos? Uma das principais funções do inconsciente é manter o equilíbrio de nossa psique. Seria simplesmente impossível guardarmos todas as nossas experiências, com os sentimentos e sensações, dores e traumas e ainda ter plena consciência delas. O inconsciente existe para isso. O Inconsciente é nosso depósito de memórias, a parte imersa de um iceberg, aquilo que fica coberto pela imensidade do mar e que, em alguns momentos esses conteúdos podem emergir para a consciência, provocados por algum “gatilho”. Tal situação pode ser boa ou ruim, depende de como lidamos no presente com esses conteúdos.


Em resumo, para a teoria do inconsciente, acontece um monte de coisas dentro de nós, as quais não fazemos a mínima ideia e esse desconhecimento interno é o que faz com que muitas vezes não sejamos senhores de nossas próprias ações e ideias, não sejamos comandantes de nossa própria história. Diante destes aspectos inconscientes que vão se apresentando durante a trama, Ambrose ao perceber que Cora realmente desconhece o motivo que a levou a cometer o crime, procura na hipnose a busca das memórias reprimidas, e apesar de Cora não lembrar totalmente do seu passado, as duas sessões de hipnose fazem com que ela comece a sonhar com maior frequência, a reviver o seu passado até que tudo venha à tona.


Outro conceito trazido pela série “The Sinner” é o que chamamos de dissociação fruto de um possível estresse pós-traumático. Existem situações que são tão pesadas, tão fortes, tão chocantes, com uma carga emocional tão alta que provoca estado de descompensação mental na pessoa. Ou seja, pensamentos, sentimentos e memória são ocultados pela consciência, protegendo a pessoa de maiores impactos psicológicos devido às situações traumáticas vivenciadas. Em geral essas situações envolvem alguma perda, pode ser a morte de alguma pessoa próxima ou mesmo o risco de morte da própria pessoa ou ainda situações violentas. Uma pessoa que esteja sofrendo de estresse pós-traumático pode ficar revivendo momentos específicos, mas não a situação na íntegra, “flashes” e pesadelos. Na realidade isso quer dizer que aquele conteúdo (por mais soterrado, mais guardado nas profundezas da mente) tenta emergir, retorna, aparece em rápidos “flashes”. No decorrer dos episódios da série, os “flashes” e pesadelos aparecem em diversos momentos, o que leva a compreensão de que a perda de memória de Cora realmente está ligada a um forte trauma vivido no passado, o qual vai sendo revelado ao longo da série.


E por fim chegamos a principal temática psicológica que envolve toda a narrativa da série: o sentimento de Culpa. Talvez por isso “The Sinner”, que em inglês quer dizer “o(a) pecador(a)”. A Culpa exerce um papel muito importante na construção das duas personagens principais, sendo o que permite que ambas se identifiquem e desenvolvam uma forte conexão, certa cumplicidade. A Culpa é importante para nossas relações sociais como forma de não sermos egoístas e termos cuidado em não magoar ou machucar os outros. Está diretamente ligada à religiosidade e à fé, porém esse sentimento se torna um problema quando durante a fase do desenvolvimento psíquico do individuo, ou seja, em sua infância, é exageradamente estimulado.


Cora viveu uma infância carregada de culpa e responsabilidade pelos problemas de saúde da irmã mais nova, infligidos a ela pela mãe fanática e perturbada emocionalmente. Com o passar dos anos a irmã mais nova também aprende a manipular Cora, se valendo da sua condição de doente. Cora passa sua infância e adolescência angustiada entre o desejo de liberdade e os valores familiares e religiosos.


Depois de assistir toda a série, o que fica é a sensação de que a trama vai colocando cada peça no devido lugar e tudo vai se organizando, se encaixando internamente conforme vamos entrando em contato com nossas memórias mais profundas e, desvendados os segredos escondidos.


Fica apenas uma pergunta final, cuja resposta é pessoal. De quem realmente é a culpa? Ela é fruto de todas as situações vividas ao longo da vida de Cora? Ou daquele momento pontual na praia?


Patrícia Atanes de Jesus é psicóloga junguiana, CRP 06/37052 com Especialização em Terapia Sistêmica Familiar e Avaliação Psicológica, além de Psicologia Jurídica. Atende Crianças, Adolescentes e Casais em consultório particular em São Bernardo do Campo/SP. Seus interesses estão voltados para relacionamentos, transtornos e síndromes diversas que atingem os adolescentes (incluindo depressão, suicídio). Sua paixão está no entendimento do funcionamento da Psique e seus simbolismos. Acompanhe seu trabalho em:

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