Por Ronnedy Pires de Paiva (CRP 08/26257)
As visões da Raven (That's so Raven) é um verdadeiro fenômeno no Brasil. A série americana do gênero comédia ganhou inúmeros fãs ao passar na televisão aberta e contar a história da adolescente Raven Baxter (Raven-Symoné), sua família e amigos. Ao longo da suas quatro temporadas, a trama gira em torno dessa típica adolescente que, precisa dividir sua atenção com os amigos, família, amores, estudos, trabalho e o seu poder de prever o futuro.
Sim, apesar de vivenciar todas as particularidades de uma adolescente ‘comum’, Raven também tem a capacidade de prever o futuro, capacidade que precisa ser mantida em segredo, sendo revelada a poucas pessoas.
Ser vidente, entretanto, acaba por colocar Raven em inúmeras situações embaraçosas e, algumas vezes, constrangedoras, pois, apesar de ver o futuro, suas visões não são muito claras, elas funcionam mais como flashs do futuro e não estão sob o total domínio da Raven.
Ao visualizar o futuro, que pode ser bom ou ruim, Raven se vê entre dois sentimentos. O primeiro deles é a angústia. Esse sentimento gerado por preocupações, que acaba apequenando, sufocando e trazendo impotencialidade frente ao futuro que ainda não chegou é vivido por todos nós, sem exceção, e para Raven tem uma particularidade especial que é, exatamente, sua capacidade de ver o que virá a acontecer. Pois se as suas visões são verdadeiras, o que ela viu invariavelmente acontecerá, seja algo bom ou ruim. Se assim não fosse, o que Raven visualizaria seria apenas uma possibilidade de futuro e que, sendo assim, poderia ser mudado, e podendo ser alterado, o que ela estaria prevendo não teria muita validade, uma vez que poderia acontecer ou não, da mesma forma como quando imaginamos uma coisa que pode vir a acontecer, uma possibilidade, como encontrar uma mochila de dinheiro na rua, por exemplo. Percebendo que sua visão acontecerá, Raven se posiciona diante da existência e age de forma a tentar evitar ou realizar suas visões, procurando controlar todas as variáveis que possam contribuir para que elas aconteçam.
Para exemplificar, trago uma de suas visões: Raven vê seu irmão sendo abordado por um segurança de uma loja, quando esse estava furtando um objeto - essa foi a visão. Raven então vai atrás do seu irmão com a finalidade de evitar que essa cena acontecesse. Entre idas e vindas, Raven se veste com uma roupa de segurança, usa um disfarce e aborda o seu irmão, assim como na visão. Porém, o que acontece é que o seu irmão estava tentando
evitar que os amigos roubassem. Ou seja, ao ver uma parte do futuro, Raven acaba sendo enganada por essa visão e age de tal forma que acaba concretizando o que ela mesma previu.
A angústia de ver seu irmão cometendo um delito e sendo flagrado por uma autoridade ao fazê-lo, faz com que o seu intervir entre em ação. Raven se posiciona e, de alguma forma, procura alterar uma realidade a ser concretizada. Quando observamos essa angústia, percebemos que todos os seres humanos também se angustiam de alguma maneira frente ao futuro, com a única exceção de que não preveem o futuro, o que é uma dádiva se
pensarmos bem, pois paremos para refletir: se pudéssemos prever o futuro, estaríamos rendidos a ele, e seríamos escravos de nossas próprias visões. Mas, enquanto pessoas que vivem no agora, somos portadores da possibilidade de fazer o futuro e, desta forma, determinar o nosso agir no mundo do agora, na nossa oportunidade.
Essa ideia de um futuro a ser construído a partir da liberdade e responsabilidade humana vem de encontro aos princípios da psicologia existencial, que ainda contribui ao afirmar que a angústia não é um sentimento negativo, como poderíamos pressupor a princípio, pelo contrário, a angustia é uma uma experiência humana valorosa e que ocorre quando tomamos consciência da nossa liberdade enquanto seres livres para escolher. Essa angústia lança o indivíduo diante do nada e solicita dele uma ação, uma atitude, afim de que, assuma a responsabilidade de sua própria existência, a responsabilidade de construir o futuro - uma realidade que ainda não existe, mas que pode vir a acontecer. Nesse chamado, Raven age para que suas visões sejam evitadas ou para que aconteçam, controlando os
detalhes que anteveem o episódio, como já falamos, e é exatamente aqui que ficamos diante do segundo sentimento de Raven, o sentimento de que tudo depende dela, de que tudo é de sua inteira responsabilidade.
Perceba, ao ver o futuro e ao sentir a angústia, Raven tem a consciência de que é a única pessoa responsável para que suas próprias visões se concretizem. Para que o futuro aconteça igual a sua visão, o seu agir será crucial, então sabendo o que acontecerá, cada passo será importante para que tudo ocorra conforme a visão, um passo em
falso e tudo acabará em tragédia. Aqui, novamente, nos deparamos com a angústia.
O interessante disso é que, embora o ser humano não seja detentor do poder de ver o futuro, ele tem sim a capacidade de projeta-lo, imaginando-o, fazendo planos, sonhando, tudo dentro de uma probabilidade. Essa projeção, que muitas vezes é tão clara como uma visão, também solicita dele a responsabilidade frente às suas próprias ações, a fim de que o ‘seu futuro’ aconteça. É certo que a angústia permanecerá constante em sua vida,
pois é impossível controlar todas as variáveis, porém essa angústia não deve pará-lo, pelo contrário, deve o impelir a agir de uma forma mais consciente e responsável no mundo.
Desta forma, o que podemos aplicar em nossas vidas a partir da experiências de Raven é que, embora não possamos prever o futuro, podemos projeta-lo, e nessa ação, precisamos lidar com a angústia e a responsabilidade
ao construir a nossa própria existência.
Ronnedy Pires de Paiva é Psicólogo (CRP 08/26257), Pós-graduando em Psicologia Existencial, Humanista e Fenomenológica. Trabalha em clínica sob orientação Existencial e tem compartilhado reflexões sobre a existência, cotidianidade, sentido da vida e outros assuntos no Instagram @ronnedypaiva_.
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