Por psicóloga Lêda Milazzo (CRP 09/10898)
“A vantagem de ter péssima memória é divertir-se muitas vezes com as mesmas coisas boas como se fosse a primeira vez.”. Essa frase de Friedrich Nietzsche é muito boa, né?! Você concorda com ele?
Mas, e se eu mudar algumas palavras: “A vantagem de ter péssima memória é entristecer-se muitas vezes com as mesmas coisas ruins como se fosse a primeira vez.”. E agora, você concordaria ou não?
Segura aí a sua resposta. Vou te contar primeiro sobre a série After Life que retrata a vida de Tony, devastada, após a perda de sua esposa, por câncer de mama. Ela deixou um vídeo gravado falando tudo que ele precisaria fazer intitulado por ela como “Pequeno Manual para Viver sem Mim”.
Dentro os afazeres de Tony está a visita diária ao pai, que vive em uma casa de repouso. Acometido pela Doença de Alzheimer, não se recorda da morte da nora. E todos os dias em que o filho chega para visitá-lo pergunta a ele pela esposa. Tony, após falar um “belo” palavrão afirma que a esposa morreu. No dia seguinte, a história se repete: “Cadê a Lisa?”.
Diante de casos como esse, em que a memória foi perdida, eu te pergunto: O que fazer?
Por coincidência (ou não) essa semana recebi uma mensagem em que dizia mais ou menos assim: “Minha avó morreu há um mês, por corona. Ficou alguns dias internada, mas não resistiu. Meu marido tem Alzheimer e não se lembra dela ter morrido, mesmo tendo participado de todos os momentos (do velório, sepultamento, missa de 7° dia). Sempre chora muito e pergunta por ela. Fala que está com saudades e questiona em que dia ela receberá alta do hospital. O que devo fazer, contar toda vez que ela morreu ou deixá-lo pensar que está internada? ”.
O mesmo questionamento poderia ter sido feito por Tony, personagem da série. O pai não parece entrar em sofrimento ao ouvir que a nora morreu, é como se o filho tivesse falando que “o sol é amarelo”. Ao contrário, quem se chateia com a pergunta é o próprio Tony.
Respondendo à pergunta do contar ou não. Em casos em que o comprometimento é leve, está na fase inicial, pode se falar a verdade. Fazendo inclusive um exercício de rememorar todo o acontecimento, o que poderá auxiliar na retomada da lembrança. Mas, e se a pessoa não lembrar?
No início do parágrafo anterior pontuei que “pode se falar a verdade” e não que deve se falar a verdade. Ficou confuso? A questão é a seguinte, independente do grau de comprometimento é importante avaliar cada caso. E uma avaliação inclui pesar o custo-benefício de contar a verdade “toda vez” que a pessoa perguntar.
Para estimar os prós e contras, alguns questionamentos podem ser feitos:
- Até que ponto vale a pena contar ou não?
- Qual o grau de sofrimento que a verdade trará?
- Compensa falar toda vez a verdade e a pessoa sofrer em todas elas?
- A omissão da morte poderá minimizar a dor e saudade?
Ponderar sobre qual a melhor atitude tomar é a melhor coisa a se fazer num primeiro momento. Afinal, não há uma regra ou um protocolo que determine contar ou não determinados fatos a um paciente com Alzheimer.
Bom, mas como eu ainda tenho uma boa memória, agora quero saber a sua resposta: Você concorda com a frase de Nietzsche? Perder a memória é “divertido”?
E se quiser compartilhar sua resposta ou o que achou do texto, bater um papo sobre o assunto, conhecer um pouco mais sobre a temática estou à disposição. Você me encontra no insta @leda.milazzopsi e no site www.ledamilazzo.com.br.
Lêda Cristina Pinheiro Milazzo, psicóloga (CRP 09/10898), especialista em Psicoterapia Analítico-Comportamental e com especialização em Tanatologia: Sobre a Morte e o Morrer. Atualmente, cursando a pós-graduação em Psico-oncologia. Minha missão é transformar a dor em amor. Para isso auxílio colegas psis a serem fonte de apoio a seus pacientes/clientes para que possam entender e vivenciar os processos de luto de forma saudável.. Para que os enlutados, que busquem a ajuda desses profissionais, consigam viver o luto e não sobreviver de luto.
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