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The Boys – Como famílias criam filhos violentos?

A excelente série The Boys da Amazon Prime Video é sobre muitas coisas: violência gratuita, mega corporações influenciando a percepção pública das coisas e mais violência. Mas certamente a melhor parte da série são as pessoas, do “bom moço” clássico que entra em um mundo de agressividade ao “fortão silencioso” com alergia e que toca piano.


Entre essas pessoas, destacam-se dois personagens iguais: Homelander e Billy Butcher. Mas por que iguais Andrey? Essa pergunta é um pensamento natural de se ter, afinal na superfície ambos têm vontades diferentes: enquanto Butcher quer se vingar de Homelander, e no processo matar senão todos, a maioria dos sups da Vought, Homelander tem o objetivo muito mais simples de ser adorado como o deus que ele se considera ser.


Isso é verdade, mas ambos também compartilham muitas características similares: ambos se consideram melhores e mais espertos que aqueles a sua volta, estão dispostos a atos terríveis para conseguir o que querem e de forma geral, tendem a usar a violência para atingir seus objetivos. Além disso tudo, ambos compartilham uma relação complicada com suas figuras parentais, e é sobre isso que vamos focar neste texto.


Dr. Vogelbaum, cientista responsável por tornar o Homelander como ele é, foi a principal figura masculina na sua criação e para propósitos desse texto, vamos chama-lo de “pai” do Homelander. Nós vemos que Vogelbaum ao se referir a seus atos, justifica o tratamento que deu ao seu “filho” como sendo sua missão de fazer um “homem perfeito e sem fraquezas” e para isso, usou de táticas como a privação de contato e carinho, assim como o isolamento para impor valores a seu filho: de que ele deveria resolver seus problemas sozinho e que não deveria mostrar sentimentos, pois eles são uma fraqueza e seus inimigos podem explorá-los.


No caso de Billy, conhecemos seu pai biológico, Sam Butcher, e descobrimos que eles têm uma relação complicada. Sam foi um pai abusivo: bebia demasiadamente, batia em Billy e em seu irmão, dava pouco carinho e de forma geral, não provia amor a seus filhos. Descobrimos, no entanto, que ele reconhece suas ações como sendo duras, mas que justifica elas através de sua visão de mundo, quando explica a Billy que o que ele fez tornou-o o homem que ele é na série, capaz de aguentar situações desesperadoras, e ser o “filho da mãe durão que ele é”.


Faz sentido para ambos serem como são, afinal Homelander busca a validação externa que nunca teve e Billy responde a tudo com violência, como lhe foi ensinado. Estas são situações muito comuns no mundo real, onde pais são demasiado rígidos com os filhos, especialmente com os filhos meninos, com a intenção de faze-los fortes, afinal o mundo não perdoa ninguém. Também muito presente na mentalidade das famílias, está a ideia de que as mães são as figuras que provem afeto, carinho e cuidado e os pais são aqueles com pulso firme para disciplinar e aplicar as punições nos filhos, quando necessário.


Este pensamento nasce da percepção verdadeira de que crianças precisam ser amadas e serem repreendidas. O engano da maioria das pessoas é considerar que nesse caso, existe o que é o “papel de mãe”, feito unicamente pelas mulheres, e o “papel de pai” feito unicamente pelo homem. Muitos casais usam essa complementaridade de forma velada, e não é incomum que nas famílias, mães repreendam os filhos até cansarem, para então ameaçarem coisas como “vou chamar seu pai” ou “espere seu pai ouvir isso”, como se elas mesmas fossem menos capazes de disciplinarem seus filhos.


Do outro lado temos pais que dizem coisas como “sua mãe vai trocar sua frauda” ou que de forma geral são ausentes dos cuidados básicos como arrumar a mochila do bebê ou que não põe os filhos na cama. O funcionamento familiar de mãe super envolvida com os filhos, mas com pouco poder de repreensão e pai ausente, mas que se aproxima dos filhos para administrar punições é muito comum, mas apresenta algumas complicações.


O verdadeiro problema em uma família funcionar unicamente neste modelo é os pais ensinam seus filhos que a mãe não é competente o suficiente para impor ordem, assim como implicitamente demonstra que o pai é quem está no topo da cadeia de poder. Do outro lado temos os pais, aquelas figuras inatingíveis, dos quais os filhos não podem esperar afeto, carinho ou cuidado, e devem apenas ter deferência, pois caso ele se apresente, será ruim para os filhos.


Mas além disso, a relação entre genitor masculino e filho homem também é afetada pelo que pais que unicamente são duros e pouco afetivos ensinam sobre masculinidade a esses garotos. Crianças aprendem mais por modelagem comportamental, isto é, aprendem mais observando como aqueles a sua volta agem e se comportam, do que com as palavras que estes lhes dizem.


Um pai pouco afetivo ensina seu filho que homens são pouco afetivos, e que isto é o que se espera dele no futuro, assim como ensinam suas filhas que isto é o que elas devem esperar dos homens no futuro. A maioria dos pais, no entanto, não faz isso de propósito, e quando fazem, costumam ter a intenção de ajudar seus filhos a de alguma forma, estarem mais preparados para o mundo fora da família.


A melhor maneira tende a ser o casal aspirar ter uma complementaridade de papeis: quando o pai não consegue/pode a mãe faz, e vice e versa. Funcionar de forma complementar demonstra aos filhos que vão ser cuidados por ambos os pais, que podem pedir carinho e confiar seus problemas não somente a sua mãe, mas também ao seu pai. Assim como mostra que devem ouvir tanto sua mãe quanto seu pai, e que a voz dela carrega tanta importância e poder no sistema familiar quanto a dele.


Este é um balanço complexo, e questões de papeis familiares de homens e mulheres estão intrinsecamente entrelaçadas a outros fenômenos culturais e sociais. A expectativa é que o casal consiga se entender na hora de prover cuidado e disciplina, e geralmente o melhor caminho é o de demonstrar que ambos darão acalento aos filhos em situações difíceis, assim como ambos tem o pulso firme necessário para conduzir o sistema familiar.



Andrey da Silva Aires é psicólogo clínico de indivíduos, famílias, casais e pós graduado em psicologia e sexualidade. Também é criador da página @andrey.aires.psicologia no Instagram e Facebook onde desenvolve um trabalho focado em abordar conceitos da psicologia de um jeito simples, muitas vezes usando a cultura pop como paralelo para nossa vida.


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Blog escrito por psicólogas e psicólogos de todo Brasil.

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