por Andrey da Silva Aires - CRP 07/33087
Garouden é um anime de artes marciais produzido pela Netflix que segue as batalhas internas e externas do protagonista, um homem chamado Juzo Fujimaki, que após ser acusado de um assassinato, se torna fugitivo da polícia. O assassinato em questão realmente foi cometido pelo nosso protagonista (há circunstâncias atenuantes mas ele de fato assassinou um homem) e para os propósitos da nossa discussão, todas as repercussões desse ato serão referidas como “consequencias”.
Ao longo dos capítulos, acompanhamos diversas lutas de nosso protagonista onde ele decide simplesmente apanhar de algum outro personagem, sendo que nesses momentos, Fujimaki fala constantemente sobre querer que sua “fera interior” adormeça e que ele não seja controlado por ela. É claro que isso não acontece, e quando sua “fera interior” acorda, o vemos perder o controle de suas ações e ferir (além do razoável em um anime de artes marciais) aqueles que ele enfrenta.
Em seu âmago, Garouden é a história de um homem que tem dificuldades em lidar com sua raiva e em controlar seus impulsos durante momentos emocionalmente carregados, mas que inclui outro aspecto muito interessante: as consequências disso. Sua fuga e subsequente incapacidade de manter moradia e emprego fixo, tem uma característica de autopunição, ou seja, o isolamento auto imposto do protagonista é sua maneira pessoal de encarar as consequências de sua dificuldade. No entanto, por que ela não funciona? Juzo não consegue controlar melhor suas emoções só porque não tem conexões afetivas próximas.
Sempre há consequências ao se agir baseado em qualquer emoção, e neste sentido, a raiva é apenas mais uma delas, ou seja, ela é um sentimento neutro. Sentir raiva em certos momentos é absolutamente esperado, o que fazemos depois que vivenciamos esta emoção é o que determina o quão adequado foi nosso manejo dele e mais importante ainda: quais as consequências disso.
Como um exemplo do que quero dizer, considerem a situação onde você discutiu com um familiar e no meio dessa briga, ao se sentir irritado, acabou por falar coisas que veio a se arrepender depois, algo relativamente corriqueiro, certo? Mas que ainda assim frequentemente é a principal razão pela qual problemas não são resolvidos em discussões, logo, a consequência dessa irritação é termos mais problemas. Porém, e quando testemunhamos situações de racismo? De homofobia?
E se percebemos um idoso sendo violentado na rua? Todas essas situações certamente nos geraram um misto de emoções, entre elas a raiva, e quando fossemos intervir nessa situação gatilho, seria essa uma atitude errada só porque há sentimentos de irritação envolvidos?
Claro, há atitudes mais frequentemente negativas em relação a ações tomadas em momentos de raiva, e ferir outros, seja física ou verbalmente, frequentemente é uma das piores maneiras de manejar esse sentimento. Mas isso apenas significa que as consequências de certas atitudes foram inadequadas, não que há emoção que inicialmente deu início ao evento também é. Há muitas formas de controlarmos nossas atitudes em momentos de raiva, seja pausar uma discussão no meio para continuá-la mais tarde, seja tomar aguá para nos permitir tempo de pensar, ou mesmo como nosso protagonista, o uso de atividade física para “descarregar” ela. Contexto é o que dita a efetividade de uma atitude qualquer: bater em outra pessoa pode ser inadequado mas raivosamente acertar um saco de pancadas não. Ainda que ambos sejam “bater”, as consequências após esses atos são bem diferentes, para usarmos um exemplo simples.
Apesar de Juzo tentar se responsabilizar por suas atitudes, auto isolar-se não foi uma resposta efetiva, pois, não só não funcionou e sua “fera interior” continuou presente como lhe negou a presença daqueles que poderiam ajudá-lo. Fugir pode ser uma estratégia válida para evitarmos o pior, mas apenas se ela tiver um tempo definido após o qual vamos voltar e resolver nosso problema.
Garouden é um ótimo anime se você gosta de homens fortes se batendo, mas não deixe que essa capa de shounen te tape a visão sobre a tragédia que a história retrata: no fim das contas, Fujimaki é um homem vazio de várias das coisas que tornam a vida feliz porque não acreditava ser capaz de conter seus impulsos. Mas não precisamos seguir seus passos, todos nós podemos sim domar nossas feras interiores.

Andrey da Silva Aires é psicólogo clínico de indivíduos, famílias, casais, especialista em psicologia e sexualidade e doutorando em psicologia.
Também é criador da página @andrey.aires.psicologia no Instagram e
Facebook onde desenvolve um trabalho focado em abordar conceitos da psicologia de um jeito simples, muitas vezes usando a cultura pop como paralelo para nossa vida.
Comments